26.7.15

O país das alforrecas



«Em 1891, no meio de mais uma grave crise financeira nacional, Oliveira Martins era mais uma vez incendiário: "Esta crise com efeito veio provar que Portugal pede um tirano; mas a nossa desgraçada pátria nem tiranos tem. Tudo é papas. Temos a consistência das alforrecas…" Olhando para estes dias de chumbo de 2015, quando Portugal continua a mostrar a sua insignificância patética na Europa e por aqui se pede um governo de maioria no Parlamento após as legislativas, mesmo que ele tenha de ser feito com pedras falsificadas de Lego, sente-se que as alforrecas continuam a passear-se prazenteiramente pela pátria.

Continuamos atolados em dívida pública e ela em vez de diminuir continuou a aumentar nos anos de austeridade. Daí não sairemos, até por profunda convicção de Passos Coelho. O modelo económico servido pelo euro e que permitiu à Alemanha tornar-se o pólo central da Europa é, para ele, o sol que cobre a terra. É assim que Portugal paga o custo de formar médicos e a Alemanha vem cá buscá-los à saída da universidade. Um modelo perfeito para a Europa, como se vê. (...)

Ao contrário da Europa os EUA têm uma união fiscal onde os Estados mais prósperos do país subsidiam os mais debilitados. E as fronteiras para a mobilidade laboral quase não existem. Quando, nos EUA, há uma crise num Estado, os seus habitantes mudam com facilidade de ares. Aqui na Europa não é o caso. (...)

É por isso que a Europa é hoje um desastre completo à espera de ser anunciado. E Portugal, em vez de pensar seriamente no seu futuro, continua a alinhar sem falhas com a batuta alemã que apenas defende os seus próprios interesses. A sangria da emigração e o peso astronómico do desemprego mostram a exiguidade deste modelo baseado apenas na austeridade e na tutela de Bruxelas e Berlim. Só que o desconforto em muitas capitais europeias começa a tornar impossível equilibrar em consensos fúteis interesses tão variados e culturas tão diferentes. E aqui continuamos a nadar ao lado das alforrecas.»

Fernando Sobral

1 comments:

Victor Nogueira disse...

Quem continua prazenteiramente a passear-se em Portugal e pelo Planeta, dando cartas e baralhando o jogo e escolhendo os trunfos, com muita batota nos trunfos escolhidos a dedo, não são as alforrecas mas as hienas, os chacais, os abutres, os urubus, as piranhas, os polvos e tubarões, com seus homens e mulheres que não passam de testas de ferro descartáveis. Os EUA, onde brilham como mil sóis constelações como Hiroxima e Nagasáqui ou Pinochet, Noriega ou Fulgêncio Batista, são o que são porque nele "desaguaram" os foragidos europeus à miséria e à intolerância religiosa e política, os escravos arrebanhados por negreiros em África, os asiáticos expulsos das suas terras pelo império do Capital. Todos eles - incluindo os foragidos à "justiça", encontraram pela frente os ameríndios, chacinados em autêntico genocídio como o que os europeus também praticavam em África, na Ásia, na América do Sul. Destruídas a história a memória e o passado, na terra da intolerância e da miséria capitalistas, só por ironia e com humor negro se poderá falar de exemplo e como "farol" da solidariedade e do respeito pelos direitos da Humanidade a seguir por quem quer que seja que ame a Vida, a Natureza e a Humanidade. Sem esquecer que esta Alemanha, que se seguiu à do III Reich, é uma criação do Plano Marshall contra os ideias comunistas na época personificados pela URSS. Quanto ao Kapital esse há muito que não tem Pátria, estando cada vez mais para além das nações. Afinal, o Estado-Nação foi necessário apenas para derrubar os limites, as barreiras e as portagens dos senhorios feudais, entraves ao desenvolvimento capitalista, livre e sem fronteiras.