«Em Janeiro de 1871, quando recebia na Câmara dos Deputados o governo do Marquês d'Ávila, José Luciano resumia, a régua e a esquadro, o cíclico futuro do dilema nacional: "É necessário que se organizem dois partidos somente; um – mais ou menos conservador e outro – mais ou menos avançado". Em 2015 o dilema nacional parece, à primeira vista, resumido à organização de dois pólos de poder quase semelhantes. Porque, acima deles, está a Europa que tem numa mão a austeridade e na outra a máquina do dinheiro e das leis. Uns dizem-se liberais, outros social-democratas, mas ambos têm, até hoje, feito um jogo fechado de cartas onde pequenos núcleos vivem protegidos pelo Estado, e onde os negócios são feitos em circuito fechado. As "reformas" são feitas para que nada do essencial mude. (...)
O que divide hoje os dois principais blocos que querem exercer o Governo em Portugal nos próximos quatro anos é essencialmente a qualidade pessoal de cada um e uma maior ou menor sensibilidade social para o terrível estado pantanoso em que se encontra o país, ressacado pelos anos de duas faces da mesma moeda: o socratismo e o passismo. No fundo, nas suas aparentes diferenças, eles representam a mesma forma autoritária de ver a política e a forma de ela ser utilizada a favor de certos grupos de interesses. (...)
Vivemos numa democracia de consumo, com partidos demasiado dominados pelos aparelhos partidários e sem muitas alternativas à vista. Até um dia surgir um populista a sério e não um fogo-de-artifício como Marinho e Pinto.
Chegámos ao fim de um ciclo e o horizonte é ainda nebuloso. A sociedade sonhada, enquadrada por uma classe-média pujante, eclipsou-se com a austeridade. Esta depressão económica, por outro lado, ameaça destruir todos os laços sociais que dão estabilidade a uma nação e são a visão de futuro para várias gerações. Voltamos a ser uma nação que busca o futuro fora de portas. Pior: criámos um sociedade "low cost", onde o valor mínimo (do trabalho ou do que se vende) parece ser a única lógica de racionalidade a seguir, como se isso não implicasse a falência educacional e cultural que são o cimento de um país que quer ter futuro.»
Fernando Sobral
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