«Passos Coelho entrou no Parlamento como líder do Governo e saiu como chefe da oposição. Midas trocou-lhe as voltas: transformou ouro em chumbo. Não é fácil mudar de estatuto em poucas horas, como se se tivesse sentado num cadafalso à espera do momento fatídico. (...)
Vivemos tempos políticos empolgantes. O sociólogo Zygmunt Bauman definia-os como "modernidade líquida", onde os valores são flexíveis e volúveis. Por isso apelar à "tradição" como defesa moral para o que assistimos é pedir o regresso da Idade Média antes do Iluminismo. (...)
A "destruição criativa" não se aplica apenas à economia: infiltrou-se na sociedade. Nada é seguro: nem os salários, nem as pensões, nem os compromissos políticos do passado ou as alianças e as cumplicidades feitas à sombra do Estado. É por isso que o Governo de Passos Coelho passou do estado gasoso ao líquido, sem passar pelo sólido: foi uma ilusão. Resta saber o que nasce deste rio selvagem. Porque vai ser difícil equilibrar sensatez com criatividade, sensibilidade social com o valor do dinheiro que não há. É um caminho minado onde António Costa terá de saber saltitar elegantemente, guiado pela burocracia de Bruxelas. Mário Centeno está lá para isso: a ruptura será na continuidade.»
Fernando Sobral
.
0 comments:
Enviar um comentário