«Como é que um homem com 74 anos, voz gasta e até um pouco curvado consegue empolgar tantos americanos e sobretudo ter a maioria dos jovens do seu lado?
Como é que alguém que abertamente se diz socialista, no país do capitalismo e do anticomunismo, consegue ter o apoio da classe trabalhadora? Não será certamente pelo físico nem pela inscrição ideológica. Não. É pelas palavras, pelas ideias, pela coragem de atacar o sistema corrupto que mina o país e, na verdade, o mundo inteiro. (…)
Por isso Bernie aponta à cabeça. Não atira para o lado, como tem sido usual nos democratas americanos e o é ainda mais nos políticos europeus. Não propõe pequenas reformas que nada mudam. Coloca no topo das suas propostas o desmantelamento dos grandes bancos. Tidos por "too big to fail" (grandes demais para falhar), quando falham, e falham, é o Estado que tem de os socorrer com o dinheiro dos contribuintes. À nossa escala viu-se sobretudo no caso do BES, mas também no BPN, Banif, etc...
Outra das propostas de Bernie, interessante para Portugal, prende-se com as agências de "rating" que ele diz serem "raposas a vigiar o galinheiro". (…)
Bernie é também uma lição para a situação portuguesa. A esquerda conquistou o Parlamento, mas ainda não ganhou o debate político no país. Com a direita ressabiada, incapaz de passar da mesquinhez reativa, passamos o dia a debater irrelevâncias, diz que disse, manobras e puras mentiras. Trata-se de um jogo sem qualquer interesse e ainda menor alcance.
A esquerda tem de apresentar as suas causas. Em conjunto ou em separado. As razoáveis e as radicais. Não foi de propósito, o que revela algum amadorismo, mas a apresentação do tema da eutanásia foi muito positivo. Colocou o país a discutir algo que realmente importa e não as intermináveis, aborrecidas e frequentemente manipuladas contas do orçamento. O Estado já se mete em demasia na minha vida, não queira agora também decidir quando posso morrer. Mas há muitas outras causas. Desde logo, na linha de Bernie, as que dizem respeito ao sistema financeiro. Não se pode continuar a aceitar que sistematicamente empresas e bancos fiquem com os lucros e o Estado com os prejuízos. Não se pode continuar a falar de livre iniciativa, poder absoluto dos acionistas, total autonomia das administrações privadas e depois perceber que empresas e bancos são altamente subsidiadas pelo dinheiro dos contribuintes, pagam muito menos impostos do que toda a gente, praticam repetidamente atos ilícitos com a maior das impunidades. Isto não pode continuar. A esquerda tem de ganhar foco. Ir ao que interessa e deixar a direita a falar sozinha.»
Leonel Moura
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