A Colónia Penal do Tarrafal foi criada pelo Governo de Salazar ao abrigo do Decreto-Lei n.º 26. 539, de 23 de Abril de 1936.
Seis meses depois, em 18 de Outubro, os primeiros presos saíram de Lisboa, no paquete Luanda, com destino ao que viria a ser o «Campo da Morte Lenta», na ilha de Santiago, em Cabo Verde. Aquele navio era normalmente usado para transporte de gado proveniente das colónias e os porões utilizados para esse efeito foram transformados em camaratas. Depois de uma escala no Funchal e de uma outra em Angra do Heroísmo, para recolher mais alguns detidos e / ou largar os menos perigosos, e no fim de uma viagem em condições degradantes, foram 152 os que desembarcaram, no dia 29, em fila indiana, antes de percorrerem os 2,5 quilómetros que os separavam do destino final.
Edmundo Pedro é hoje o último sobrevivente deste primeiro grupo que construiu e viveu (durante nove anos, no seu caso) neste campo de concentração. No primeiro volume das suas Memórias, dedica longas páginas à descrição do que foi essa terrível viagem que durou onze dias. (*) O início e o fim:
«E na noite de 18 de Outubro, de madrugada, reuniram-nos em camionetes da GNR. Estas dirigiram-se para o cais de embarque, em Alcântara... No caminho, apesar das ameaças dos soldados, demos largas ao nosso protesto. O nosso vibrante grito de revolta ecoou, ao longo de todo o percurso, nas ruas, desertas, daquela madrugada lisboeta. Cantámos, a plenos pulmões, todas as canções do nosso vasto cancioneiro revolucionário... (...)
A 29 de Outubro de 1936, onze dias depois de termos partido de Lisboa, o velho Luanda fundeou, ao princípio da tarde, na pequena e aprazível baía do Tarrafal. Pouco depois, começou a descarregar a "mercadoria" que transportava nos seus porões... Alguns prisioneiros tinham chegado a um tal estado de fraqueza que só puderam abandonar o barco apoiados nos seus camaradas...»
Depois, foi o que se sabe: histórias de terror, 32 pessoas por lá morreram e o Campo durou até 1954. Foi reactivado em 1961, quando começou a Guerra Colonial, como «Campo de Trabalho do Chão Bom», para receber prisioneiros oriundos das colónias portuguesas (o ministro do Ultramar era então Adriano Moreira e foi ele que assinou a respectiva portaria). Durou até 1974.
(*) Edmundo Pedro, Memórias, Um Combate pela Liberdade, Âncora Editora, 2007, pp. 350-359.
.
2 comments:
O transporte dos soldados para as colónias era exactamente igual ao descrito no texto. A mim calharam-se 5 dias no porão do UIGE até chegar ao largo de Bissau. No regresso calharam-me 9 dias no porão do Carvalho Araújo que andou anos e anos a transportar gado dos Açores para o Continente. Era assim que os soldados eram transportados. Acrescente-se que no UIGE havia uma sala de jantar acolhedora. Mas no Carvalho Araújo nem isso. Deram-nos um prato e uma colher à entrada do barco que tínhamos que lavar com água do mar. Nem água tínhamos para tomar banho. Foram 9 dias sem tomar banho, a atravessar trópicos e equador. Mas nos outros barcos incluindo o Vera Cruz, os porões de carga estavam também transformados em camaratas e as viagens que para Angola e Moçambique ainda eram mais longas eram assim. É bom que a memória não esqueça. Por isso os ex-combatentes estão todos os dias a ser "bem tratados". No máximo temos uma pensão de 150,00€uros por ano. Sim, por ano e pagos em Setembro.
Tive mais sorte que o Carlos Pinheiro. Também fui no Uíge para a Guiné mas destinaram ao meu Pelotão de Antiaérea talvez por ser uma unidade pequena, cerca de 100 homens, um espaço com camas e chuveiros com água doce por uns minutos que depois passava a salgada e o sabão parecia palha de aço pelo que tínhamos de tomar banho a correr. Fui em Agosto e em alto mar cantávamos todos lá fora na proa cantigas de Zeca Afonso, Adriano e tantos outros e no barco ninguém nos chateou.
Para cá vim num navio que acho que se chamava Angra do Heroísmo, não tenho a certeza, mas as coisas mudaram e eu fui parar ao porão. Mal ouvi a água a bater no casco fiquei tão aflito que saí dali e fui ter com o Sargento e disse-lhe que ali em baixo não ficava. Preferia morrer. Que me atirassem ao mar. Por razões politicas o Sargento não me gramava mas o assunto ficou resolvido um bocado à sorte. Tal como o camarada diz aquilo era espaço para animais.
Inicialmente também recebia 150,00 Euros, depois descobriram que eu não tinha completado os 24 meses e reduziram para 100,00 e por volta de 2011 comecei a receber só 86.00 Euros. porque passou a ter IRS e indignado enviei um mail para o CDS com destino ao Dr. Paulo Portas perguntando-lhe se era justo aquele valor estar sujeito ao IRS. Acusaram-me a recepção do mail "com conhecimento ao Manecas" mas até hoje nunca mais me disseram nada.
Enviar um comentário