5.5.16

Balada da ameixa seca



Um pouco de O’Neill, em fim de tarde chuvoso.

Vai à mercearia e compra ameixa seca.
P’ra o intestino a ameixa é levada da breca!

O mal do Ocidente – quem há que não o sinta? –
É não ter a tripa sempre limpa.

Com seus altos valores, o Ocidente
Dá por demais ao dente, dá por demais ao dente.

Põe-me os olhos nos povos que só comem arroz:
Dão melhores guerrilheiros do que nós.

Um saquitel de arroz, uma viciclet’,
Arma na bandoleira – e lá vai o viet.

«Noss’povo», ao contrário, come o que apanha à mão.
Até parece fome de muita geração!

E larga, já comido, o corpo em qualquer canto.
Sonha Terceiro Mundo e é Europa, entretanto.

Encostado ao sobreiro ou ao ficheiro,
«Noss’povo» já nada tem de marinheiro.

Sua tripa, represa, é trabalhosa.
Sua prosápia já só é má prosa.

Portugal-do-casqueiro à Europa-das-latas
Manda cortiça, vinho, diplomatas.

Espera contrapartidas: sol-e-vistas
É cartaz que atrai muitos turistas.

Mas com a ameixa seca – coisa pouca! –
É que pode acordar sem amargos de boca.

Vai à mercearia e compra ameixa seca.
P’ra o intestino a ameixa é levada da breca!

Alexandre O’Neill
, 1981
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