«Em Portugal, há palavras que nunca desaparecem do horizonte: crise, dívida, défice. Já se tentaram todos os malabarismos possíveis para resolver esses emplastros, alguns mesmo até importados de circos internacionais, mas nunca deixamos de voltar a eles.
A crise faz parte de Portugal. E as negociatas também, como foi exemplar a da PT ou a do BPN, para só recordar pesadelos recentes. Já houve mentes iluminadas que tiraram do bolso soluções para resolver a crise da dívida. Em 1892, por mero exemplo, o deputado Ferreira de Almeida tirou o elixir milagroso da cartola. Segundo ele, vendiam-se as colónias (excepto Angola e Índia) e abafava-se o défice orçamental que, nessa altura, era de 10 mil contos. A ideia não frutificou e por isso continuámos a caminhar alegremente sobre o terreno escorregadio da dívida e do défice. Quando a dívida volta a aumentar, como agora foi confirmado, o país já nem se incomoda: encolhe os ombros. A dívida tornou-se algo com quem convivemos todos os dias, tal como as obras intermináveis de Lisboa ou os problemas técnicos do metropolitano.
Quando se escuta alguma da classe política nacional até se julga que a crise é um tornado para o qual temos como resposta o anticiclone dos Açores. A crise, em Portugal, é como os vírus resistentes: é mutante e adapta-se. Talvez alguns ainda se lembrem quando nos idos de 2006 o então ministro Manuel Pinho decretou o fim da crise. Todos se riram da piada, menos o próprio. A crise portuguesa resiste a tudo: a Merkel, ao BCE, ao FMI, aos liberais e aos estadistas. Portugal nunca conseguiu melhorar à custa de antibióticos internacionais e por isso continua com uma anemia genética. Como escrevia há muitos anos Antero de Quental, os partidos "perderam a noção da realidade; e enquanto o mundo se transforma vão repetindo maquinalmente as costumadas teses duma filosofia caduca e que nem já compreendem". A crise não é só na economia. É, há muito, cultural e social. Portugal é um país sem projecto e sobrevive de "trade offs" diários. Só disso.»
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