21.5.17

Descolonização e racismo à portuguesa


«O Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, foi visitar a ilha de Gorée, no Senegal, e fez declarações sobre o envolvimento de Portugal no tráfico de escravos. O que lá mencionou foi o gesto madrugador de Portugal ao ter reconhecido a injustiça da escravatura, em 1761, quando pela mão do marquês de Portugal aboliu tal prática em parte do seu território em “reconhecimento pela dignidade do homem”, segundo disse. (…)

o que se nota hoje em Portugal é uma dificuldade em lidar com o passado colonial. É simultaneamente como se Portugal nunca tivesse colonizado e nunca tivesse descolonizado. Ou é como se a descolonização tivesse tido lugar em África, mas nunca tenha ocorrido em solo português. Talvez porque o que foi madrugador não foi Portugal ter reconhecido a injustiça da escravatura, em 1761, mas ter transformado “colónias” em “províncias ultramarinas” em 1951, na revogação do Acto Colonial. Isso só por si não conta como descolonização, naturalmente. Mas Portugal levou a sério esta farsa. Serviu de justificação para a pressão em descolonizar imposta por organismos internacionais. No discurso da época, Portugal não podia descolonizar porque não tinha colónias. Consequentemente, o Estado Novo não teve de lidar com a descolonização. E tendo havido uma revolução para que Portugal deixasse África, o abandono do império acabou por ocupar o lugar de uma descolonização efectiva.

Isso explica a ferida aberta que a África colonial ainda hoje constitui. Explica o pesado silêncio sobre a presença em África que muitos portugueses carregaram até recentemente. Mas explica também a posição subalterna, ou mesmo colonial, a que o contingente negro da população portuguesa tem sido votado até hoje. Ou seja, é como se o colonialismo, ou as mitologias coloniais, se tivesse virado para dentro. Daí que os problemas que as comunidades de origem africana vivem ainda hoje em Portugal são de natureza colonial. Não se pode negar que o país tem feito algum progresso. Mas há ainda uma grande falta de representação de negros na política, nos meios de comunicação de massas e no ensino e investigação de temas que lhes deveriam dizer respeito (como a história de África, por exemplo). O que Rebelo de Sousa fez foi manifestar o contínuo histórico baseado no conceito do bom português que trata os “seus negros” com humanidade. Este foi o grande baluarte do passado colonial e continua a sê-lo no presente pós-colonial português.»

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