As vantagens dos incêndios (Miguel Tamen)
«São os cenários humanos obtidos de graça que tornam o espectáculo mais repelente. Nessas alturas o jornalista aproxima-se pé ante pé e faz perguntas que sabe antecipadamente serem de êxito garantido. É o herdeiro das mães que gostam de ver os filhos a chorar, e das crianças que arrancam as pernas às moscas. A sua vileza maior consiste em tornar pessoas vis: em deliberadamente e com premeditação converter o mundo num repositório de figurantes em que cada pessoa paga o seu aparecimento na televisão com o espectáculo público daquilo que em circunstâncias normais lhe deveria aparecer apenas em sonhos.
Embora alguns jornalistas gostem de se mostrar entre pessoas mortas, são os barulhos e os gestos das pessoas vivas que lhes permitem ocupar o tempo de emissão com mais proveito; e são eles que mobilam com conteúdos o que de qualquer maneira os jornalistas nunca conseguiriam por si só imaginar: um cão, um filho, um tractor, uma mala de roupa. Visto o que se tem visto, os acontecimentos recentes sugerem que nem sempre será boa ideia não matar o mensageiro.»
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