«Em "Zelig", o filme de Woody Allen, o protagonista é alguém extremamente inseguro. Para conseguir passar despercebido transforma-se na pessoa que está ao seu lado.
Os turistas, já se sabe, não conseguem ser como Zelig: não se transformam em lisboetas ou portuenses para passar despercebidos. Nota-se a sua presença. Para mais quando, de um momento para o outro, os turistas se somam a cada vez mais expatriados e os centros das principais cidades portuguesas se transformam em "resorts" urbanos. O turismo é, não o duvidamos, um oxigénio precioso para a nossa economia. Uma verdadeira galinha dos ovos de ouro que cacareja no meio de um mundo inseguro. Não admira que o turismo se tenha tornado um dos motores da nossa recuperação económica. Mas, no meio da euforia, convém não voar como Ícaro e colocar os pés na terra. O turismo não pode ser a desculpa para afastar lisboetas e portuenses do centro das suas cidades. Não é a pontapé: é com preços de arrendamento que vão tornar, a curto prazo, Lisboa e Porto cidades onde só vivem turistas e expatriados. Os portugueses irão emigrar para os arredores. Mas, com os rendimentos que auferem, e o défice de transportes existente (a começar pelo lamentável metropolitano lisboeta), um dia destes não haverá quem faça os serviços no centro. Como aconteceu em Londres quando, devido a isso, polícias e enfermeiros, deixaram de querer trabalhar na cidade. Porque não era rentável.
A Marcha de Alfama deste ano coloca, de uma forma irónica, o dedo na ferida. "Não toquem na minha Alfama", original do concurso de 1950, vai voltar este ano. Não é um apelo ao fim do turismo. É um alerta. Se a cultura bairrista de zonas de Lisboa for riscada pelos interesses imobiliários reinantes, um dia destes a diferenciação e a cultura local, que atrai turistas e expatriados, evapora-se. Murcha, como os manjericos. O turismo, já o dissemos, é ouro. Não se queira inverter Midas e transformá-lo em chumbo.»
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