9.1.18

A lei Frankenstein



«Andy Warhol, que não se contentou com 15 minutos de fama, disse um dia que: "Comprar é muito mais americano do que pensar e eu sou absolutamente americano." Foi talvez com estas palavras em mente que uma série de incógnitos deputados portugueses decidiram, durante um ano, fazer reuniões que não existiam para criar uma lei que desejavam que fosse invisível. Ou seja, em vez de pensarem, decidiram optar pelo lado materialista da função partidária. Ao transformarem o financiamento partidário numa loja de conveniência, os deputados criaram o seu próprio materialismo dialéctico: em vez de serem transparentes com a sociedade, criaram um restaurante Michelin privado. A metodologia secreta foi tanta que ninguém foi responsável pelo nascimento do Frankenstein e, agora, com ele a andar por aí aos tombos, à espera do congresso do PSD, ninguém quer ficar com ele em casa. É assim a política indígena, na sua insignificância face ao que são os desafios que se colocam. Isto porque apesar de a política ser a arte do possível, tudo pode mudar quando alguém interfere a pontapé e se torna a arte do impossível.

Parece que a política portuguesa continua incapaz de, como Alice, ver o outro lado do espelho. Outrora os centros da esperança, os partidos estão bolorentos, ocupados por "boys" ou por grupos de interesses. As suas mensagens unificadoras são agora garrafas com frases perdidas no oceano das redes sociais, em que não há regras, nem pensamento estratégico: só há emoções à flor da pele. Assiste-se à deprimente lavagem de roupa suja e à agenda determinada pelas redes sociais que os partidos seguem como o Glutão que come toda a sujidade. Basta olhar a nulidade do pensamento dos partidos portugueses sobre os temas do futuro: as alterações climáticas (os incêndios não ensinaram nada aos aparelhos partidários), a relação do Estado social com uma economia de plataformas, a inteligência artificial. Que os partidos não se querem reformar mostra-o esta tentativa de lei-fantasma. Mas, se não o fizerem, morrerão.»

Fernando Sobral
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