1.2.18

O dilema da justiça



«Zorro, uma personagem de ficção, era o disfarce de Don Diego de la Vega para dar voz aos fracos e oprimidos numa Califórnia sem lei. Zorro, com a sua espada e capa negra, fingia acobardar-se perante os poderosos quando não tinha a máscara. Mas, na realidade, era sagaz como uma raposa (daí "zorro"). A justiça portuguesa, depois de anos sem fim em que pareceu dormir uma longa sesta, gerindo investigações sem fim e pondo em causa os seus próprios objectivos, parece agora querer mostrar que pode ser o Zorro dos oprimidos portugueses. Os processos mediáticos dos últimos dias, desde aquele que parece apontar para o há muito visível casamento de interesses entre o mundo da política, dos negócios e do futebol até aos anedóticos (o que pretende "queimar" Mário Centeno e o da investigação à compra de livros e revistas por ex-secretários de Estado de José Sócrates), têm diferentes pesos e medidas. Mas começam com um erro: a justiça, em vez de se comportar com decoro, está a querer fazer a festa, atirar os foguetes e apanhar as canas ao mesmo tempo. É um erro que pagará caro.

Há muito para investigar neste aparente país de "brandos costumes". E casos que cheiram há muito a esturro, desde a acção de "facilitadores" de negócios ao pouco transparente universo do futebol casado com a política. A desertificação moral do regime tem muito que ver com estes conluios que devem ser investigados ao pormenor. Talvez, depois de muitos anos a ser vista como carro-vassoura do regime, a justiça portuguesa esteja a soltar o seu grito de Ipiranga. Mas tudo tem de ser levado a sério. Para que os portugueses, no caso de falhanço de tantas investigações, não comecem a encarar tanto foguetório como uma versão de uma telenovela mexicana. É preciso seriedade e bom senso (e acusações bem formuladas) para que depois ninguém possa invocar cabalas e teorias da conspiração ou da constipação. Vários desafios se colocam à justiça portuguesa: ser competente é o maior. Portugal, se esse for o caso, agradecerá. De outra forma ninguém mais a levará sério.»

Fernando Sobral
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