«Há uns anos, até o mais despudorado dos jornalistas teria vergonha em publicar uma notícia sobre a suspeita de favorecimento de um ministro que ousou pedir dois bilhetes para um Porto-Benfica. Hoje esse assunto é manchete de jornais, notícia nas rádios, abertura das televisões e um maná para as redes sociais exultarem com mais uma “prova” da indecência dos políticos. E é assim não apenas por causa da degradação do jornalismo ou pela persistente mania da gente da Justiça em tornar público o que deve ser segredo: é-o também por directa responsabilidade de quem nos representa. Quando um partido como o PS se dedica a criar “códigos de ética” nos quais governantes e deputados são vistos crianças que precisam de ser adestradas para resistirem a ofertas de bilhetes para espectáculos, está a alimentar as suspeitas que pretende combater; quando a classe política deixa subentender que nas suas consciências há lacunas de princípios que impedem a separação entre o que se pode ou não pode fazer, estão escancaradas as portas para o gérmen do populismo que transforma um bilhete para a bola num caso de corrupção. (…)
Que se legalize o exercício do lobbying, que se criminalizem as omissões ou “os esquecimentos” em torno das declarações obrigatórias dos bens patrimoniais dos políticos no Tribunal Constitucional, tudo bem. Mas evite-se a tentação de dar à turba o que a turba mais deseja: cimento para a sua cultura de ódio a quem nos representa. Seguindo esse caminho, o da cedência, o da cobardia e o do medo de enfrentar o fel que se derrama das redes sociais, acabaremos por ter de viver todos os dias com epifenómenos como o que afecta Mário Centeno. E então a democracia não agonizará pelo mal mas pela sua suposta cura.»
(Daqui)
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