«"Les Demoiselles d'Avignon", de Picasso, inaugurou o modernismo na pintura há pouco mais de um século. O quadro de Picasso foi uma ruptura entre o passado e o presente. O modernismo foi, nas artes, a vitória da forma sobre o conteúdo. Inspirou, sem o saber, o olhar da política nacional sobre a cultura. Tudo é forma, nada é conteúdo. Os resultados dos apoios da DG Artes à área do teatro exemplificam como funciona o pronto-a-vestir em que se transformou o arbítrio do gosto aliado à celebrada burocracia bafienta que costuma decidir as propostas. O amor à cultura, que sucessivos políticos professam antes das eleições, esbate-se rapidamente com o tempo. Até porque a cultura deixou de garantir conforto moral a quem quer liderar um país. Uma "selfie" ao lado de um craque de futebol garante mais exposição mediática do que uma foto com os melhores actores ou dramaturgos nacionais. A cultura é, há muito, um sector desvalorizado em Portugal. É quase uma nostalgia pouco perdoável. A culpa não é só dos políticos: é de toda a sociedade. Basta olhar para a comunicação social portuguesa e ver que espaço se dá à cultura. A cultura tornou-se um fóssil.
Agora é recordada porque os monumentos maltratados atraem turistas. E o turismo, sabe-se, é agora o Harry Potter do país. Ninguém parece pensar que a criação cultural interligada com o património existente funciona como as duas faces da moeda de desenvolvimento e modernidade de uma nação. São locomotivas de uma sociedade mais criativa e, por isso, capaz de abrir novas avenidas sociais e económicas. Custa a perceber, no meio desta transformação da cultura num parque temático decadente, o que ainda motiva o ministro da Cultura a manter-se no cargo. A não ser que goste de ser uma versão nacional de um modelo do museu de cera de Madame Tussauds. Mas cada um escolhe o seu lugar no mundo. A opção cultural há muito que desapareceu de uma sociedade portuguesa que empobreceu na sua alma. As decisões da DG Artes são apenas o triste epílogo de tudo isso.»
Fernando Sobral
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