Daniel Oliveira no Expresso diário de 26.06.2018:
«Na semana passada, esquerda e direita juntaram-se em torno da redução dos combustíveis. Não debaterei aqui a medida propriamente dita, de que discordo (não me parece que perante o estrangulamento dos serviços públicos esta seja a prioridade) e sobre a qual tenho todas as dúvidas constitucionais, pelo menos em relação ao projeto do CDS. Mas interessa-me o significado político desta aprovação. A lealdade tem dois sentidos. E se o PS negoceia a precariedade com o BE e depois quer aprovar um resultado bem diferente com o PSD, é normal que não espere comportamento diferente dos seus parceiros. Se as alianças do PS passaram a ser de geometria variável isso não tem só vantagens. Não aumenta apenas as possibilidades de alianças suas, aumenta as possibilidades de maiorias contra si.
Perante o aumento do período experimental para seis meses, sem qualquer limite na repetição de experiências, o Bloco sentiu-se traído naquilo que considera ser uma nova brecha por onde tudo passa, como foram os recibos verdes. Uma brecha que desvirtua o acordo negociado com o Governo. E sente-se traído porque só soube desse “pormaior” na véspera do acordo de concertação social.
António Costa teve oportunidade de corrigir a deslealdade e resistiu. Ao que parece, várias vozes no grupo parlamentar do Partido Socialista apelaram ao óbvio: que se acrescentasse, no que foi acordado com os parceiros sociais, uma norma que impedisse a utilização abusiva do período experimental. Se os patrões assinaram o acordo de boa-fé não terão nada contra isto. Mas do Governo, a mensagem foi a de que não se devia tocar no que foi acordado no Conselho Económico e Social. Só que desta vez aconteceu uma coisa inesperada: Carlos César atravessou-se e disse que depois da “concertação social” chegou o momento da “concertação parlamentar”. Explicou que ainda é a Assembleia da República que aprova leis e que o Governo ainda depende de uma maioria parlamentar.
A estratégia de António Costa é óbvia: julgando que tem o eleitorado de esquerda no bolso e sabendo que o PSD está com dificuldades de liderança, está a tentar pescar votos à direita. Os eleitores não têm noção destas minudências. Mas sentem um clima político bem diferente do primeiro ano da geringonça. O problema do taticismo é sempre uma questão de grau. Em falta é ingenuidade, em excesso é falta de rumo. E o excesso de taticismo de António Costa é cada vez mais evidente.
O erro de Costa é pensar que algum voto está garantido. A verdade é que o fascínio dos eleitores de esquerda por Costa resulta, sempre resultou, mais do que da suas posições políticas, da facilidade de diálogo que mostrou ter à esquerda. E da escolha inédita que fez em 2015. Paradoxalmente, Costa conquista votos aos partidos mais à esquerda quando os trata bem. Quando os desrespeita perde simpatia destes eleitores.
A economia não está pior, não houve (por agora) incêndios. No entanto, o PS está a cair nas sondagens e a maioria absoluta é cada vez mais improvável. Não é por causa da lei laboral, dos combustíveis ou das picardias com o BE e o PCP. É porque se está a perder a sensação de que Costa lidera uma coisa diferente. É evidente que a geringonça acabou. E sem a geringonça António Costa é só António Costa. Não tem nada de novo. Não tem nada de esperança. Se não arrepiar caminho, vai descobri-lo nas próximas legislativas. Até porque, ao contrário de Passos Coelho, Rui Rio não assusta o eleitorado de esquerda. Não chega para fazer renascer o voto útil que o próprio Costa se encarregou de matar.»
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