«Imaginemos, por momentos, que havia um VAR na política nacional. Que, após uma decisão qualquer, intervinha, e deixava ministros, deputados e cidadãos em suspenso. Sobre se existia um fora-de-jogo num concurso público, um penálti duvidoso numa nomeação, uma simulação na distribuição de fundos públicos. O VAR, no futebol, prometeu o fim dos fingimentos e a nobre vitória da verdade sobre a mentira. Repara-se, neste Mundial de futebol, que ele democratiza o erro. Tentando acabar com os erros, erra tanto como os mortais árbitros. E, além disso, destrói a emoção e a dúvida, a sorte e o azar, que são a essência do futebol. E que, de alguma maneira, também o são da política. Se o VAR se aplicasse ao modo austero como a selecção nacional tem jogado neste futebol, diríamos que Portugal ainda não saiu da tutela da troika. Portugal não investe, poupa. E, muitas vezes, esquece-se de jogar futebol. Não arrisca, não tem fibra, defende em vez de ousar, atacar. Fernando Santos, ao colocar Ricardo Quaresma em campo, tinha uma ideia: que ele cruzasse para que a cabeça de Ronaldo marcasse golo. Não aconteceu assim.
No sábado defrontamos um tenaz Uruguai, também ele sôfrego em busca da bola, e com melhores talentos do que o Irão ou Marrocos. Se contra estes Portugal viu jogar, teme-se o que aí vem. Sofrimento e fado, como é habitual. E crença em Ronaldo. Só que Portugal não sabe jogar ao ataque, dentro da engenharia conservadora de Fernando Santos: Bernardo Silva, por exemplo, está mais preocupado em defender do que em criar rupturas ofensivas. Não há desmarcações, nem fibra. Portugal gere o jogo de longe, sem pôr o pé, à espera que Ronaldo, num dia sim, resolva. Mas esta foi sempre a táctica do seleccionador. Uma cultura táctica que não é diferente daquela que encontramos na política portuguesa: o tempo, ou a sorte, há-de resolver os problemas mais sérios. O caso do Infarmed é exemplar: decisões tomadas a medo são potenciadoras de desastres futuros.»
Fernando Sobral
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