«Há precisamente três anos, na ressaca de umas eleições com um resultado atípico e após um período de austeridade que fragmentou a paisagem política na periferia da zona euro, Portugal encontrou uma solução de governo em contracorrente com a Europa. De tal forma que, hoje, muitos olham para a ‘geringonça’ como um caso de sucesso, passível de ser exportado. Será que é assim?
É, de facto, surpreendente a forma como, em Portugal, se integrou no arco da governabilidade partidos tradicionalmente de protesto e, ao mesmo tempo, se preservou o vínculo europeu e garantiu uma trajetória de consolidação orçamental. Vista assim, a ‘geringonça’ assenta numa combinação única de êxito político com sucesso nas políticas.
Em todo o caso, talvez seja pouco avisado olhar para a experiência portuguesa como uma 4ª via, passível de ser exportada, da mesma forma que convém manter algum ceticismo quanto à capacidade da gestão política se traduzir numa novidade estrutural nas políticas.
Desde logo, os fatores que tornaram possível a ‘geringonça’ são específicos do contexto português. Do ponto de vista conjuntural, se António Costa foi capaz de formar uma maioria a partir de uma derrota eleitoral, isso deveu-se à vontade maioritária de colocar fim à coligação Passos/Portas. Não menos importante, assistimos, entre nós, a um processo de radicalização do centro-direita, que viu na troika um álibi e uma oportunidade, escancarando as portas para que o PS resistisse eleitoralmente e ocupasse um espaço de moderação centrista.
No que também é singular, perante a crise económica, o sistema partidário português revelou uma notável resiliência: porque a influência do PCP nos movimentos sociais e o seu papel histórico de institucionalização do protesto diminuíram o espaço para a formação de um partido nativista com uma agenda conservadora, e porque o BE ocupou prematuramente um espaço que, noutros países, foi ocupado por novos partidos de matriz populista. Foi esta estabilidade do sistema partidário que tornou viável um acordo tático que, além do mais, permitiu aos três partidos preservarem a sua matriz ideológica.
Em países onde a volatilidade do voto, o desmoronamento dos partidos tradicionais e o reposicionamento ideológico têm sido a regra, dificilmente se formaria uma ‘geringonça’.
Resta o fundamental. A ‘geringonça’ representa uma mudança estrutural nas políticas, capaz de cortar com a ortodoxia europeia e afirmar uma plataforma política modernizadora? Também aqui o Governo português vive uma crise de sucesso. Se poucos anteviam a trajetória de consolidação orçamental e de recuperação do emprego, persiste uma incapacidade de articular interesses sociais em torno de um novo programa político. Sem esse exercício, dificilmente, desde Portugal, se contribuirá para uma 4ª via, que ultrapasse os bloqueios que a social-democracia enfrenta em toda a Europa. É, aliás, aí que radica a chave para o pós-legislativas.»
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