11.12.18

Na rota da China, claro!



«Quando Portugal sofreu uma intervenção externa, a que os próprios intervenientes chamaram “resgate”, todos os investidores fugiram. Da Europa, só conhecíamos um interesse: transferir a dívida que tínhamos para com os bancos alemães e franceses para instituições europeias e internacionais que tivessem os instrumentos para impedir uma renegociação que nos fosse favorável. Que investidor sobrou? A China. Que comprou barato, claro está.

Note-se que não estou a fazer qualquer distinção. Num momento de aflição, a Alemanha só se preocupou em garantir que portugueses e gregos pagassem as dívidas aos seus bancos. Se isso significava arrasar a nossa economia, paciência. Como perdemos todos os instrumentos monetários, aceitámos. A China só se preocupou em fazer boas compras, mesmo que isso significasse deixar-nos sem grandes empresas. Como o dinheiro das privatizações ia todo para pagar a dívida, também aceitámos. A China trata tanto de si como a Alemanha. O “Hino da Alegria” é excelente para órfãos que substituíram o império benigno de Moscovo, Pequim ou de Washington pelo de Berlim. Mas se queremos ter futuro é melhor deixarmos de procurar faróis e voltarmos ao realismo político, fazendo o que eles fazem: o que, sendo eticamente aceitável, é melhor para nós.

Como um pouco por todo o lado, os chineses compraram seguros, bancos, imobiliário. Para o ano deverão ser uma potência mais poderosa do que a União Europeia e lá para 2030 ultrapassam os EUA. Têm sobre outros investidores uma diferença: um plano político e pensam a longo prazo. Não querem espalhar a ditadura e o comunismo (de que já se esqueceram há algum tempo) pelo mundo. Querem o que os EUA, a Rússia, o Reino Unido, a França, Espanha, Portugal e por aí adiante quiseram: ser a maior potência. A única piada de quem repete que o nacionalismo está a regressar é alguma vez terem acreditado que ele se tinha ido embora. O que se está a ir embora é a soberania democrática, que se exerce nas nações. As nações sempre lá estiveram.

Sente-se por aí uma grande indignação com o peso crescente da China na nossa economia. Curiosamente, essa indignação não vem daqueles que alguma vez tenham defendido que devíamos manter sectores estratégicos em Portugal ou nas mãos do Estado português. Pelo contrário. Parece que teríamos o dever de torcer por outros investidores estrangeiros. Os alemães, por exemplo. Mas o investimento chinês é pior? Acreditarão que há dinheiro mais democrático do que outro?

Sim, foi um erro privatizar a REN, um monopólio natural estratégico. Mas o erro não foi vender aos chineses, foi vender a fosse quem fosse. Fossem outros os proprietários e não estaríamos melhor. Que me recorde, a Cimpor e a PT não foram vendidas a chineses. E foram alegremente destruídas. Assim como estão a ser destruídos os CTT, privatizados em bolsa. Aqueles que nos prometeram um futuro risonho com as privatizações e nos ofereceram a destruição de muitas das nossas principais empresas escusam de esconder as suas culpas atrás dos chineses. Ao contrário dos fundos de investimento, que compram para revender aos pedaços, a China até investe com os olhos num horizonte mais distante do que o ano seguinte.

A ideia de que podemos ficar longe do investimento chinês é absurda. A China será cada vez mais incontornável e é fundamental estarmos na sua rota. Não ceder a qualquer pressão de outros estados europeus que estarão apenas a pensar nos seus próprios interesses. Já chega de ser o corno romântico da Europa. Temos de pensar em alemão: faremos os negócios que sejam melhores para nós. Isto não invalida a crítica política à China, que se faz através de uma solidariedade cidadã para com os chineses que querem democracia, sindicatos, liberdade. Mas invalida esta estúpida ideia de que, num confronto entre as potências europeias, os EUA e a China, nós somos uma parte de qualquer um deles. Não somos, como bem aprendemos, com os gregos, em 2011.»

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