11.1.19

Glovo e Uber eats ou os ladrões dos tempos modernos



«O capitalismo sempre quis colonizar o nosso tempo. A apropriação de cada um dos nossos minutos, marcados por esse instrumento violento chamado relógio, é uma arma poderosa para ditar e comandar a organização da vida pessoal, social e familiar.

A flexibilização do tempo de trabalho, através de formas de organização especialmente penosas para os trabalhadores, como o trabalho por turnos, o banco de horas ou adaptabilidade e a criação de novas modalidades contratuais (contrato de muito curta duração, intermitente, temporário) são expressão da adaptação da legislação laboral ao mercado e uma resposta às suas necessidades. Entretanto, corre-se atrás do prejuízo tentando mitigar os efeitos da lei do mercado, por via da proteção laboral, apelando-se à compatibilidade com direitos fundamentais protegidos constitucionalmente, enquanto se inventam novas formas de alcançar o objetivo de servir os interesses patronais com medidas espúrias e falsamente bem-intencionadas como um período experimental alargado para desempregados de longa duração com maior dificuldade de integração no mercado de trabalho. É este, aliás, o estado da arte, na discussão do novo pacote laboral em Portugal.

Surgem, diariamente, novos mecanismos de apropriação do tempo de trabalho e as tecnologias servem esse propósito. Enquanto se aumentam horários de trabalho por via de uma desconexão inexistente, com telemóveis que tocam a toda a hora, com e-mails que têm que ser lidos em qualquer lugar, com uma urgência empertigada que mata o direito ao descanso e ao lazer, dão-nos UBER eats e Glovo. Entregam-nos as compras em casa, dão-nos os medicamentos à boca, trazidos por um trabalhador explorado que pedala com uma bicicleta, para cima e para baixo, para ganhar um dinheirinho extra.

E convivemos, alegremente, com esta tranquilidade da vida moderna, que nos faz chegar uma pizza a casa, depois de um dia com horas a mais a trabalhar, sem pagamento de trabalho suplementar e sem descanso compensatório, que isso de cumprir a legislação laboral é para incautos e a internet é o paliativo.

Recordemos os "Tempos modernos", em que Charlie Chaplin nos mostrava o operário, alimentado por uma máquina frenética, de tempo contado, fustigado por uma linha de montagem infernal que lhe garantia tiques, em resultado de mimetização de tarefas a uma velocidade alucinante, que não se compadecia com pausas, a atirá-lo para acidentes de trabalho e doenças profissionais. É sempre o tempo que nos querem. E quem é dono dele é dono de tudo.

Na curta-metragem "Hola, buenas noches!", um distribuidor de comida ao domicílio, que presta funções através de uma aplicação móvel, fala-nos das suas condições de trabalho enquanto pedala durante 12 horas. E é difícil não as achar indecorosas.

Tempos modernos estes em que convivemos, com entusiasmo obsceno, com novas formas de exploração laboral à distância de um clique, a troco da usurpação do nosso tempo, esse tempo que é cada vez menos nosso.»

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