«Cada número é uma agressão. Um idoso. Uma idosa. Às vezes um estalo. Mas há murros. Pontapés.
E sabe-se lá que misérias mais escondem quatro paredes. Às vezes de um familiar. Um filho ou uma filha. Outras de um cuidador. Pago para cuidar.
Os números são aterradores. Quase quatro mil só nos primeiros meses deste ano. Mas tanto as polícias como a Associação Portuguesa de Apoio à Vítima temem que sejam muitos mais. Bastantes mais, escondidos na vergonha da denúncia e no medo da solidão. De acabarem sozinhos.
Os números são aterradores, mas bastaria um. Com um nome e um rosto. E não há um clamor. Uma ténue revolta. Uma indignação. Vá, uma pequena intenção, quanto mais não fosse para reforçar os meios do Ministério Público, que, perante tantos processos abertos no ano passado (15 997), assume, em declarações a este jornal, ser a violência contra idosos uma área de intervenção prioritária, uma realidade que "merece particular atenção por parte da investigação criminal".
Há falta de políticas concretas para as terceira e quarta idades, lares decentes, integração social, combate ao abandono e à solidão. Mas perante os velhos, o país político que criou nos anos da troika a inveja geracional, empurrando a "peste grisalha" para o patamar dos alegados privilegiados, não é muito diferente do país político que se entretém a aprovar e a debater multas pesadas para os prevaricadores das beatas de cigarros.
Não está aqui em causa a necessidade de sensibilização de um povo que ainda cospe para o chão de perceber que a responsabilidade entre gerações é também tentar deixar como herança um planeta melhor, que se afunda no aquecimento global. Está sim a criação da brigada do policiamento dos costumes, todas as dúvidas sobre quem fiscaliza, com que meios, como se regista o cadastrado que deitou a beata para o chão, a carta de pontos do prevaricador, mas sobretudo a falta de perspetiva e de noção da realidade das necessidades dos portugueses.
Mas é provável que os velhos não sejam uma causa fraturante.»
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