«O discurso de ódio e de discriminação racial não são protegidos pela liberdade de expressão consagrada na Convenção Europeia dos Direitos Humanos (Convenção). A recusa de protecção desse tipo de discurso, na prática, pode resultar de o Tribunal Europeu dos Direitos Humanos (TEDH) considerar que o mesmo constitui um abuso de direito em relação à liberdade de expressão, o que é proibido pela Convenção que determina que nenhuma das suas disposições se pode interpretar no sentido de haver um direito a praticar actos com vista à destruição dos direitos ou liberdades consagrados na própria Convenção.
Mas o TEDH também pode recusar, em concreto, a protecção da liberdade de expressão ao discurso de ódio ou de discriminação racial, não porque entende que coloca em causa os direitos e valores fundamentais sobre os quais assenta a CEDH mas porque entende que se justificam restrições à liberdade de expressão em nome da defesa da segurança pública ou da ordem pública e a prevenção criminal, bem como a protecção da honra ou dos direitos de outrem.
Em 27 de Junho de 2017, por exemplo, o TEDH apreciou a queixa, por violação da liberdade de expressão, de Belkacem, um cidadão belga muçulmano que tinha sido condenado na pena, suspensa, de 18 meses de prisão e numa multa de 550 euros por incitamento à discriminação, à violência e ao ódio. No Youtube, Belkacem pedia aos seus apaniguados que dominassem as pessoas não-muçulmanas, lhes ensinassem uma lição e lutassem contra elas. O TEDH considerou que as declarações de Belkacem tinham um conteúdo que promovia o ódio, a discriminação e a violência contra todos os que não fossem muçulmanos. Para o TEDH, um ataque tão generalizado e veemente contradizia os valores de tolerância, paz social e não-discriminação que fundamentam a Convenção pelo que considerou que Belkacem pretendia usar o seu direito à liberdade de expressão para fins claramente contrários ao espírito da Convenção, concluindo que, de tendo em conta a proibição do abuso de direito, Belkacem não beneficiava da protecção da liberdade de expressão.
Noutro caso, em 4 de Dezembro de 2003, o TEDH debruçou-se sobre a condenação do cidadão turco Gunduz a uma pena de dois anos de prisão e ao pagamento de uma multa no valor de 600 000 liras turcas por, num debate televisivo, ter expressado as suas ideias radicais, nomeadamente quanto à democracia e à necessidade de imposição da lei sharia, o que fora considerado pelos tribunais turcos como discurso de ódio. O TEDH, pelo seu lado, considerou que Gunduz participara activamente de uma animada discussão pública representando as ideias extremistas de sua seita e que este debate pluralista procurara apresentar a seita e suas ideias não convencionais, nomeadamente a incompatibilidade de sua concepção do Islão com os valores democráticos, um tema, sem dúvida, de interesse geral. Para o TEDH, as afirmações de Gunduz não incitavam à violência ou ao ódio com base na intolerância religiosa. O mero fato de Gunduz defender a sharia, sem exigir o seu estabelecimento através da violência, não poderia ser considerado um discurso de ódio. E a Turquia foi condenada por ter violado a liberdade de expressão de Gunduz.
Já no caso Féret contra a Bélgica, decidido em 16 de Julho de 2009, o TEDH considerou que a Bélgica não violara a liberdade de expressão consagrada na Convenção ao condenar Féret, dirigente do Partido Nacional, a uma pena de prestação de serviços comunitários de 250 horas e de ineligibilidade para cargos públicos por 10 anos, por incitamento à discriminação racial.
Féret defendia publicamente, entre outras coisas, o repatriamento dos imigrantes e pretendia “opor-se à islamização da Bélgica”, “parar a política de pseudo-integração”, “reservar para os belgas e europeus, a prioridade na assistência social “,” deixar de engordar as associações socioculturais de assistência à integração de imigrantes “ e “reservar o direito de asilo (...) a pessoas de origem europeia realmente perseguidas por razões políticas”.
Para o TEDH, as afirmações de Féret incitavam claramente à descriminação e ódio racial pelo que sua condenação pelos tribunais belgas estava justificada pela necessidade de proteger a ordem pública e os direitos de terceiros numa sociedade democrática.»
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