12.8.19

Notas breves sobre a greve


«1. Estou parada na estação de serviço de Aveiras para carregar o carro eléctrico, pelo caminho cruzei-me com uma coluna de transporte, rumo a Lisboa, escoltada com aparato pela GNR.

Os meus amigos e conhecidos dividem-se perante esta greve e o seu impacto nacional. Tento organizar pensamentos e lembro-me de um seminário do Curso de Defesa Nacional onde o (excelente) conferencista falava das guerras e ameaças do futuro sendo que para ele a “guerra energética” tinha um peso superior ao terrorismo. De facto a nossa dependência quer do petróleo, quer da electricidade faz de nós altamente vulneráveis (e daí ser muito, mas muito questionável ter sectores estratégicos nacionais nas mãos de estrangeiros como acontece com o sector eléctrico português).

O sector do transporte de matérias perigosas é também ele estratégico e deveria ser pensado e tratado como tal e enquadra-se naquilo que a Constituição define como (cumprindo) “necessidades sociais impreteríveis”.

2. Se todos estamos de acordo que transportes de emergência médica, polícias, bombeiros e demais agentes da proteção civil devam ter combustível para o bom exercício das funções, já podemos questionar se o direito do cidadão comum a ter o depósito cheio, seja para ir de férias, seja para ir trabalhar, se sobrepõe ao direito à greve.

“Podemos”, como escreve André Barata no Jornal Económico, “obviamente, discordar de uma greve, da justiça social ou económica da sua causa, e nesse caso devemos mesmo tomar posição – porque uma greve é sempre um acto político que deve ser recebido politicamente, seja por cidadãos seja por partidos, sectores da sociedade, etc. Mas também esta não é uma razão suficiente para contestar o direito à greve. Discordar da motivação de uma greve é uma coisa, discordar do direito que lhe assiste é outra, bem diferente”.

3. Se calhar vale a pena desmontar um mito sobre o direito à greve:

“Se causa transtorno deve ser ilegítima”. A greve dos médicos, dos enfermeiros, dos professores, dos colaboradores da Autoeuropa, só para citar algumas causa “transtorno”, a dos trabalhadores dos transportes públicos também, são menos legítimas por isso? Ou os direitos destes trabalhadores valem menos do que por exemplo os dos juizes a quem muito recentemente foi concedido um muito generoso aumento salarial?

4. Perturba-me ver, independentemente de apreciar ou não o estilo dos líderes grevistas e patronais, que se tente diluir um direito constitucional e um dos instrumentos mais pacíficos de ser forte contra forças que de outra forma podem ser esmagadoras. É para mim uma questão basilar onde assenta a democracia.

Ver o braço de força de um governo de esquerda, de esquerda sublinho, contra um grupo de trabalhadores que tal como outros grupos de trabalhadores luta por aquilo que lhe parecem ser condições dignas é muito preocupante para quem acredita em direitos, liberdades e garantias.

5. Nota final: mais perturbador para a paz social do que esta ou outras greves é o estado de descrédito das instituições a que se chegou muito por acção ( ou inacção) política deste e de outros governos, de esquerda e de direita, mais grave que a greve é o compadrio, a “família”, o nepotismo, o tráfico de influências, a falência do sistema nacional de saúde, a desigualdade social, as inúmeras dificuldades de recursos que as polícias enfrentam, o elevador social avariado. Tudo isto é chão fértil para extremismos, isto sim merece ser combatido, não o direito à greve.»

Helena Ferro Gouveia no Facebook
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1 comments:

terezinha disse...

Completamente de acordo!