9.10.19

Só há “geringonça” se houver acordo formal



«Há três formas de um partido que não teve maioria absoluta governar: uma coligação de Governo, com ministros e integração política; um acordo firmado que garanta uma maioria parlamentar estável, com compromissos claros e formais; ou um Governo minoritário que negoceia cada lei a cada momento. Ninguém propõe a primeira, o BE propõe a segunda e o PCP propõe a terceira. Já o PS parece querer as duas últimas ao mesmo tempo: o compromisso da esquerda que o apoiará e nenhum compromisso do PS sobre as condições para esse apoio. Ou seja, aquilo a que ele chamou de reedição da “geringonça” mas sem qualquer acordo escrito.

Se o BE e o PCP não entram no Governo e se não há um acordo entre os três, o que sobra exatamente da “geringonça”? O compromisso de dar estabilidade a um Governo minoritário em troca de nada? O resultado é óbvio: quando a esquerda não estiver satisfeita com o rumo da governação será responsabilizada pela queda de um Governo que prometeu sustentar em troca de coisa alguma. É o sol na eira e a chuva no nabal.

Quem acredita que BE ou PCP se podem comprometer sem ser com base num acordo escrito pelos três não percebe como os partidos de esquerda olham para os próximos quatro anos. Ninguém quer ficar preso ao PS, sem qualquer garantia. Muito menos perante a possibilidade de surgir uma crise internacional. Não porque tenham medo de pagar as favas por essa crise, mas porque sabem que, se isso acontecer, Costa fará o que fez na crise dos professores: imporá a sua resposta à crise e responsabilizará o aliado que não o segure. Se, numa situação difícil, PS, BE e PCP estivessem vinculados a um acordo escrito, havia uma base de trabalho e nenhum podia saltar fora. E só poderiam estar dentro com base em compromissos programáticos mínimos.

Pelas razões que apontei no texto desta segunda-feira, o PCP não parece estar em condições de assinar um acordo com o PS. Para o PS, essa é a solução ideal. Que se instale a ideia de que a “geringonça” foi reeditada sem que ele próprio se comprometa com nada. Mal essa ideia se instale na opinião pública, Bloco e PCP estarão para sempre amarrados a uma solução onde não têm qualquer poder. E é este, do meu ponto de vista, o maior erro dos comunistas: julgando que estão fora da solução, estão a dar ao PS um poder desmedido. E é por isso mesmo que é importante que fique claro: ou o PS quer assinar novos acordos ou governa em minoria sem qualquer “geringonça” a suportá-lo. Isso não quer dizer que não governe durante os quatro anos e que não tenha orçamentos aprovados pelo resto da esquerda. Quer dizer que o resto da esquerda não tem qualquer dever para com esta maioria. Porque os deveres implicam direitos. O PCP já deixou claro que dispensa uns e outros. O BE já disse que está disponível para o mesmo que houve nestes quatro anos. Falta o PS escolher e assumir a sua escolha.»

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