3.2.20

Racismo não é religião



«A senadora Liliana Segre tem 90 anos. Em 1944, quando tinha 13 anos e fazia trabalho escravo numa fábrica em Auschwitz, foi deportada numa das marchas da morte. Das 776 crianças italianas com menos de 14 anos que foram enviadas para Auschwitz, apenas 25 sobreviveram. Liliana foi uma delas.

O dia 27 de janeiro é celebrado como o Dia da Libertação, o Dia Internacional da Lembrança do Holocausto. Foi nesse dia que as tropas soviéticas chegaram a Auschwitz e se depararam com os horrores perpetrados pelo nazismo nos campos de concentração. Não foi o dia em que todos os judeus foram libertados, muitos tiveram de esperar ainda longos meses. Não foi igualmente o dia de libertação de Liliana Segre, que só chegaria mais tarde, mas foi ela que neste ano, no 75.º aniversário do dia da Libertação, veio contar a sua história.

Desde novembro do ano passado que Liliana Segre é obrigada a ter proteção policial. Tudo começou quando começou a receber todos os dias dezenas de mensagens de ódio e ameaças através das redes sociais. Um ódio crescente em Itália e um pouco por toda a Europa.

Para uma sobrevivente do nazismo, o regresso desse ódio é um sinal vivido com muita preocupação. A sua história e de tantos milhões de pessoas que passaram pelo mesmo que ela, muitas delas sem sobreviver, deveria ser o antídoto para qualquer renascimento do ódio étnico e racial, mas, infelizmente, os tempos que vivemos começam a dar sinais de que ninguém está poupado, nem mesmo as vítimas do maior crime contra a humanidade.

O nazismo não se fez de um dia para o outro. Precisou de muitos anos, precisou de muitas vozes caladas, de muito medo. Precisou de uma total falta de dignidade e da insensibilidade de milhões de pessoas ao sofrimento de outras pessoas como elas. Precisou de uma estratégia afinada de criação de "inimigos". Precisou de silêncio, de muito silêncio.

Estes 75 anos deviam servir-nos para mostrar como há horrores da história que não podem ser repetidos, seja qual for o tipo de intensidade. E que o respeito pela humanidade não pode permitir nenhum tipo de cedência. O branqueamento do nazismo tantas vezes feito, assim como o branqueamento do racismo, não pode ter lugar em sociedades democráticas. Mas, infelizmente, este exercício começa a ser cada vez mais comum.

Ainda nesta semana assistimos em Portugal à discussão das declarações de André Ventura sobre Joacine Katar Moreira em espaço público. Uma discussão que assentou no pressuposto mais errado de todos: que as palavras de Ventura são opinião. Não são. Nazismo e racismo não são opiniões, são crimes. Ora, a discussão a que assistimos em Portugal traduziu-se nesta preocupante tendência de naturalização da ofensa racista, de valores que em última instância são mais propícios a sociedades fascistas. Em vez de ludibriar os factos, precisamos de enfrentá-los, venham com botas cardadas ou com pezinhos de lã...»

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