«Foi o pingo no nariz que me deprimiu. Com a exceção antibiótica, uma ou outra operação e com o diabo surdo, cego e mudo, perneta e maneta e o que mais for de peçonhas, e sempre nas graças de Deus, tenho convenientemente assassinado à Aspirina C efervescente, com limão, sff, as maleitas que afligem um ser humano que se preze, espécie na qual orgulhosamente me incluo.
Mas o pingo no nariz colocou-me num dilema embaraçoso que adicionou um quanto baste de ansiedade à minha dose diária de estupefação corrente. Ao fim de 35 minutos na fila de espera para entrar no supermercado, com um frio que não rachava muito, mas, mesmo assim, um frio de 5 graus, o pingo, como é normal, começou a pingar, estava eu já a entrar. Como enxugar o pingo com luvas de látex e, pior ainda, como limpar o nariz com a máscara de cirurgião? Muito pior ainda, se tiro a máscara, posso apanhar o vírus; se não tiro a máscara, não posso apanhar o pingo. Foi este o meu dilema.
Não conseguia arranjar uma maneira elegante para resolver uma situação normal e nem digo como a resolvi, mas fartei-me de esfregar o nariz enquanto olhava para um molho de brócolos ou para um nabo, que é como eu me sentia naquela figura. Se ficas ansioso, na melhor das hipóteses, tens três ou quatro meses de ansiedade, o que é uma chatice, pensei.
O melhor é passar entre os pingos da chuva viral para ficar com menos sintomas de doenças imaginárias. No entanto, o facto é que o fantasma do Corona me aparece sempre que tusso, espirro, me dói o corpo e a cabeça de tanto magicar.
De cada vez que me cruzo com alguém, já se sabe, lá fico eu mais ansioso. E mais fico em espaços abertos, em espaços fechados, sei lá, em tudo o que é sítio, em todas as situações que acamam um maníaco-depressivo. Uma pessoa por 10 m2 (como manda a lei antiviral para a frequência de supermercados) parece-me uma multidão, e mesmo à distância de dois metros um carrinho de supermercado parece um buldózer carregado de latas e embalagens de todos os vírus que acompanham a cadeia de produção alimentar.
Ah, se eu fosse um aerofóbico seria bem-aventurado, mas não sou. Consolo-me com a ideia de que só acontece aos outros e tento levar uma vida tão normal quanto possível.
Bem-aventurados os aerofóbicos, porque é deles o reino do confinamento. Não saio de casa tão cedo… só quando a Luna precisar!»
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