«Comecemos pelos números: em 2019, morreram em média 399 pessoas por dia em Portugal. Um valor que corresponde a um decréscimo face a 2018 (o ano com mais mortos desde 1949, quando a Europa vivia a ressaca económica dos anos de guerra). O envelhecimento da população explica, em larga medida, este padrão de incremento do número de mortos por ano em Portugal.
Curiosamente, o ano de 2020 parecia ser auspicioso no que toca à mortalidade. De acordo com os cálculos de Pedro Almeida Vieira, entre janeiro e fevereiro, morreram menos 2440 pessoas do que no ano anterior e menos 667 na comparação com a média de 2010-19. Ou seja, se consideramos apenas os dois primeiros meses do ano, a média de óbitos diários desceu para 358, um valor inferior aos 399 de 2019 e aos 369 do período entre 2010-19.
Com a chegada de março, os valores costumam atenuar-se. Passada a fase mais aguda da gripe e a chegada da primavera, com um clima mais ameno, a mortalidade tende a diminuir ao longo do mês, com diferenças significativas entre a primeira e a segunda quinzena. Foi a tendência dos anos anteriores. Este ano é exceção. Se até dia 10 de março não houve um único dia em que não tivessem morrido menos pessoas do que nos mesmos dias do ano passado, a partir de dia 15 dá-se uma súbita inversão de tendência, com um crescimento sistemático do número de óbitos, fazendo da segunda quinzena de março de 2020 a mais mortífera dos últimos dez anos. As 144 mortes com covid-19 explicam uma parcela desta variação. Contudo, continua bem longe de ser suficiente para explicar o acréscimo de 495 óbitos no período. Um aumento que não pode ser coincidência.
Há explicações para o fenómeno: o confinamento social tem efeitos mais agudos na saú¬de mental e física dos mais idosos, precipitando mortes; quer os suicídios, quer as mortes por violência doméstica podem ter aumentado; e, fundamental, os serviços de saúde estão a recentrar a sua atividade na resposta ao coronavírus, secundarizando outros tratamentos, ao mesmo tempo que os utentes se dirigem menos ou tardiamente aos hospitais (as notícias que dão conta da diminuição drástica de chamadas para o INEM e das dádivas de sangue, acompanhadas pelo aumento de reservas, são disso sintoma).
Mas o pior está mesmo para chegar. Os fatores económicos são o determinante mais poderoso da saúde pública (mais até do que o papel dos serviços de saúde). A ideia de que há uma escolha a fazer entre prioridade à saúde pública ou preservação da economia é, aliás, totalmente errada. O colapso anunciado da economia, o brutal aumento do desemprego previsto e um longo período de austeridade que se seguirá mostrarão que a tendência nos óbitos da segunda quinzena de março não foi coincidência e tenderá a intensificar-se. Vão ser muito mais aqueles que vão morrer por causa do coronavírus do que os que vão morrer com coronavírus.»
.
5 comments:
A austeridade é obrigatória a seguir ao desaparecimento da pandemia ? A que título? Se a procura vai aumentar,se todos os stocks tem que ser repostos,se inúmeras deslocações tem que ser feitas no mais curto prazo,se o recomeço da actividade que parou vai ser imediata porque necessária,por onde chega a recessão?
Nos tempos posteriores a qualquer guerra ou hecatombe, as nações com riqueza bastante,melhoraram ou pioraram a sua condição?
Esta conversa da austeridade obrigatória é o retorno da maldita TINA.
Para ficar mais claro o que atrás disse, veja-se o caso dos países destruídos pela Guerra de 1939-45 e alvos do plano Marshall e o sucedido nesse tempo a Portugal,incólume. Onde se verificou a maior estagnação foi onde não ocorreu investimento.
A merda da "hortografia" é que estraga tudo.
E onde está o plano Marshall?
O plano Marshall ,desta vez,está na Europa, no BCE !
Se os europeus se deixarem de choradeiras e impuserem aos seus dirigentes que tal plano análogo se cumpra! E é muito menos ambicioso que o antigo.
Como impôr essa solução ? Não brinquemos,de tão óbvia, quem será o Salazar que vai querer ficar por fora?
Enviar um comentário