27.11.20

Vamos planear as presidenciais na véspera?

 


«Não somos o primeiro país nem seremos o último a votar em plena pandemia. O que falta para começarmos a planear? Informação há muita. A International Foundation for Electoral Systems (IFES) tem uma parte do seu site só para isto. A IFES foi fundada em 1987 nos EUA, com o objetivo de promover a democracia, e presta assistência a países na organização de eleições. É financiada pelos EUA, França, Reino Unido, Canadá, Finlândia, Noruega, Suécia, Austrália, OSCE e ONU. O Conselho da Europa também tem uma página dedicada a eleições em tempos de covid-19, com links para várias outras organizações que se têm preocupado com isto. O IDEA – Institute for Democracy and Electoral Assistance, outra organização internacional que estuda, compila informação e oferece assistência eleitoral, tem igualmente uma parte do seu site dedicada às eleições em período da pandemia. 

Desde o início da pandemia que estão a recolher informação sobre como diferentes países votam neste período e a chamar a atenção para os perigos, incluindo adiamento de eleições em 73 deles. Um dos documentos disponíveis na série covid-19 da IFES chama-se “Inclusion and Meaningful Political Participation”. “Inclusão”, que é como quem diz que a falta de participação eleitoral afeta alguns grupos vulneráveis da população, os mais pobres, os mais jovens e as minorias. “Com significado” chama a atenção para o facto de que mais pessoas a votarem reforça a legitimidade democrática dos resultados eleitorais. “Participação política” dispensa apresentações – ou talvez não, pelo caminho que leva a abstenção em Portugal. 

Esta gente tem a solução mágica para resolver o problema bicudo de termos eleições covídicas? Não. Mas tem boas ideias e haverá outras, que é urgente discutirmos. Podemos mudar a forma como votamos. O Conselho da Europa tem um conjunto de recomendações para implementar voto electrónico de forma segura. Temos o voto postal. Podemos discordar destas soluções por levantarem questões de segurança ou privacidade. Mas não é preciso ir por aí – há outras formas de facilitar a participação eleitoral. 

Nos EUA, houve mais de 100 milhões de votos antecipados, dos quais cerca 20 milhões foram presenciais e os restantes postais. O estado de Queensland, na Austrália, onde o voto é obrigatório, votou duas vezes durante a pandemia, nas eleições locais de março e nas estaduais de outubro. A solução foi voto postal e voto antecipado - o período eleitoral durou 11 dias, com horário alargado. Além disso, aumentou-se o número de secções de voto, para garantir maior proximidade e evitar deslocações. Na Nova Zelândia, votou-se de 3 a 17 de outubro e também houve um aumento do número de secções de voto. Mais secções e mais dias para votar quer dizer menos enchentes. Evitar enchentes faz com que as pessoas tenham confiança em ir votar, temendo menos pela sua saúde. 

Na Coreia do Sul, que também votou em abril, para permitir aos eleitores mais velhos votarem a partir do hospital ou de casa, montaram-se secções de voto à sua porta. Na Sérvia, que votou em junho, houve equipas com urnas móveis que foram ao encontro dos eleitores mais vulneráveis, que assim puderam exercer o seu direito de voto. 

Depois, há o óbvio: medidas de higiene nos locais de voto. Mesmo aqui, pode usar-se a imaginação. Na cidade de Milwaukee, no Kansas, os responsáveis eleitorais fizeram uma campanha para recrutar jovens para as mesas de voto. Razões: menor risco para a saúde de quem assegura a permanência nas mesas e oportunidade para entusiasmar os jovens, frequentemente afastados da política e menos dados a votar. 

O facto de não haver debate nem organização que se veja é especialmente trágico no nosso país. Vejamos. Temos taxas de abstenção elevadas e crescentes. Em legislativas, passou de 15% em 1980 para 51% em 2019. Nas presidenciais, quase o mesmo: de 16% para 51% em 2015. Pior: as eleições presidenciais com menor participação eleitoral foram em 2011, quando Cavaco Silva foi reeleito: 53,5%. Mas eleições para segundos mandatos são sempre menos participadas. As segundas eleições menos participadas foram as de 2016, com uma taxa de abstenção de 51,3%: Marcelo Rebelo de Sousa, contrariamente ao que corre por aí, não é um campeão do apoio popular. Teve pouco mais de 2 milhões e 400 mil votos. Excluindo Cavaco Silva no seu segundo mandato, é o Presidente que foi eleito com menos votos. 

Entretanto, estamos metidos na pior crise económica desde que as medimos. O debate caótico do orçamento mostra que a instabilidade política está ao virar da esquina. Nos Açores, as eleições regionais abriram caminho à formação de um governo PSD com o apoio do Chega de André Ventura, um partido xenófobo, misógino e securitário. Se a crise política bater à porta do Governo central, se houver eleições legislativas, se coligações destas aparecerem no caminho do Governo central, vai ser preciso tomar decisões difíceis. Nesse dia, vai ser precisa legitimidade democrática em Belém. Um Presidente eleito com meia dúzia de votos seria uma péssima notícia. 

O pior sinal vem de Belém. O Presidente da República, que devia ser o garante da normalidade democrática e ajudar-nos a planear tudo com tempo, tardou a marcar as eleições e ainda nem sequer disse se é ou não candidato. Cavaco Silva, em 2010, convocou eleições a 11 de outubro, para 23 de janeiro. E anunciou que era candidato no dia 26 de outubro. Na corrida ao tabu, Marcelo ganha a Cavaco. E em 2020 pagamos mais caro.» 

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