6.1.21

A transição climática ou é inclusiva ou falha

 


«A evidência acumulada durante as últimas seis décadas das alterações climáticas é irrefutável. Hoje, sabemos que elas resultam do aumento acelerado da concentração de gases de efeito de estufa (GEE) na atmosfera. E sabemos porque fomos capazes não só de medir, como de prever e de aferir essas previsões. A minoria dos que ainda duvidam é hoje insignificante e, quase inconsequente. 

E sabemos muito mais: a) que o principal GEE atual é o CO2; b) que a sua origem provem do consumo acelerado das vastíssimas fontes de energia fóssil que o planeta possui, e que são de fácil acesso; c) que a população mundial continua a crescer 1% ao ano (são mais 70 milhões anualmente); d) que mais de 80% dessa população continua a aumentar o seu consumo de energia per capita; e) que os oceanos continuam a ser o sumidouro mais importante deste GEE; f) e que as florestas, o segundo sumidouro mais importante, estão em franco declínio. 

Mas foi só há 25 anos, reconhecendo o impacto global crescente dessas alterações climáticas na saúde, no ambiente, na economia e na segurança das populações, que 117 países se reuniram em Berlim, criando o primeiro Grupo de Trabalho dedicado a este tema. Foi a primeira das Conferências das Partes (COP1) e estando a vigésima sexta planeada para fins de 2021, com o objetivo reconhecido e reforçado de conseguir que as concentrações de CO2 deixem de aumentar ao ritmo atual e que em breve seja possível começar a reduzir essas concentrações. Com a população do planeta a crescer e com a maioria dessa população a querer ter o mesmo nível de conforto energético da minoria dos que vivem nos países mais desenvolvidos, só existem três formas de o conseguir: fazer uma transição rápida para fontes de energia renovável, aumentar a eficiência energética dos produtos, ou aumentar a capacidade de captação do CO2. O mais seguro e o mais desafiante em termos de inovação, seria explorar todas estas vias. 

A primeira boa notícia é a do enorme progresso conseguido nas últimas décadas. Em custos de produção, a energia renovável já é competitiva em comparação com outras fontes de energia. A inovação nesta área é espantosa: o custo de energia produzida pelos atuais painéis fotovoltaicos baixou 250 vezes comparado com os iniciais. Mas a energia eólica, a hidroelétrica, a solar térmica, a geotérmica ou das ondas e marés, continuam a trazer novidades todos os dias. Talvez a mais controversa neste momento seja a do hidrogénio verde. Apesar de estar ainda longe de ser a mais competitiva, tem a grande vantagem de ter como produto final da combustão, a água. 

Em relação à eficiência energética é difícil exagerar a sua penetração no mercado. Na construção civil, nos transportes, nos eletrodomésticos já todos sabemos o que querem dizer as letras de F a A até AAA+++. No que diz respeito à captação do CO2, muito trabalho tem sido feito, mas a sua penetração no mercado ainda é reduzida. 

Infelizmente, nem todos conseguem ter acesso a muitos destes avanços. A designada “pobreza energética” afeta milhares de milhões de cidadãos. E o número de “refugiados climáticos” não para de crescer. 

A segunda boa notícia é que Europa decidiu ser neutra na contribuição de GEE até 2050, que Portugal é provavelmente o país que vai mais à frente nesta corrida e que a proposta de Lei de Bases da política climática que o PS submeteu é ambiciosa mas realista. A terceira boa notícia é a de que existe consenso significativo entre os partidos políticos representados na Assembleia da República sobre a importância deste desafio. E não tenho qualquer dúvida de que todos querem que a Lei de Bases a ser aprovada seja construída baseada no conhecimento atual mais robusto. 

Não é novidade para ninguém, os imensos interesses económicos subjacentes às áreas da produção, do armazenamento, da distribuição e do consumo de energia nos mais variados setores (indústria, agricultura, transportes, pescas, urbanismo etc). Mas os desafios sociais não são menores. Alterar o statu quo nem é fácil nem necessariamente acessível. Perceber a diversidade dos desafios que a sociedade civil enfrenta é crucial. Esclarecê-la sobre formas mais inteligentes e integradoras de lidar com os mesmos fará parte do trabalho político que terá de ser feito com investigadores, autarcas, ONG e empresários na construção desta Lei. 

No desafio do clima, a inclusão não é só uma oportunidade, é fundamental. Sem ela, nem a nível local, nem a nível global haverá solução.» 

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