«No dia 8 de fevereiro, o investigador Carlos Antunes defendeu que as medidas de confinamento só deveriam ser aliviadas quando tivéssemos menos de dois mil casos diários médios, o risco de transmissão estivesse abaixo de 0,9 e a positividade andasse pelos 5%. Acrescentando que o ideal seria esperar por ter menos de três mil internados e 300 camas de cuidados intensivos ocupadas. No final de fevereiro, alterou as suas metas, reduzindo o número de camas em UCI para 242 e de internamentos para 1300. Talvez seguindo as posições de Manuel Carmo Gomes, Presidente da República usou critérios apenas ligeiramente diferentes, definido uma meta de 200 camas em cuidados intensivos, os internamentos abaixo de 1250 e taxa de incidência que ronde a média europeia.
Há tantas metas como cabeças e a COTEC Portugal e a Nova IMS definiram outras: 366 casos diários, 1500 internados, 240 camas em UCI. Segundo os próprios, era previsível que estes números fossem atingidos em meados de março, poucos dias depois do governo anunciar o seu plano de desconfinamento, com metas oficiais respetivas. Se assim for, será um caso em que um objetivo antes de o ser já tinha sido.
Sabemos que há muita incerteza sobre o vírus, mas a cacofonia de critérios não resulta disso. Resulta de um jogo sem regras, em que cada decisor vai escolhendo os especialistas que quer. Até porque o governo continua a não ter qualquer órgão científico de aconselhamento para o combate à pandemia. Tem as reuniões no Infarmed e as opiniões dispersas de especialistas.
Neste momento, a média a sete dias está abaixo de mil casos diários, tendo ficado ontem abaixo dos 400. Estamos abaixo da média europeia. O risco de transmissão está na casa dos 0,7 (o mais baixo desde o início da pandemia, mas com tendência para ligeira subida nos últimos dias, graças a um desconfinamento informal que a continuação do confinamento formal não impedirá) e a taxa de positividade está nos 5%. Os únicos fatores acima do que do que foi definido por Carlos Antunes são as camas ocupadas em cuidados intensivos (469) e os internamentos (2167), dados que evoluem com desfasamento temporal.
Não sei que critérios devo usar. Se os de Carlos Antunes, se os da NOVA e COTEC, se os do matemático João Buescu, se os de Marcelo Rebelo de Sousa. Não serão seguramente os meus, que nada sei do assunto.
Do que percebi, as 242 camas em cuidados intensivos, que tem sido apontado como o fator mais sensível, deverão resultar de declarações públicas de João Gouveia, que lidera a coordenação da resposta em medicina intensiva. Corresponde a 85% da ocupação reservada a covid, para manter o espaço “não covid”. Com sinceridade, não sei se faz sentido manter um país encerrado com base numa meta definida por um responsável por uma única especialidade, por mais relevante que ela seja nesta pandemia. Não digo que não, mas teria curiosidade em saber se uma equipa pluridisciplinar a assumiria desta forma. Quanto aos internamentos, imagino que se terá em conta o desfasamento com o número de novos casos. Ainda assim, não disputo nada disto.
Não contesto estes ou outros critérios, estas ou outras metas. Elas até poderiam ser regionais e ser regional o desconfinamento faseado. Podiam ser mais apertadas ou mais leves. O que contesto é não termos metas claras e até termos um Presidente sem funções executivas a definir as suas. E, ao fim de mês e meio de confinamento, dizer-se que as metas oficiais serão anunciadas daqui a nove dias. Entretanto, jornalistas e políticos usam as de várias instituições académicas e de vários investigadores.
O confronto não é entre os defensores de confinamentos e os defensores da abertura. Muito menos entre os defensores da economia e os da saúde pública. A haver, é entre os que pedem ponderação de vários fatores e critérios rigorosos para cada decisão e os que defendem que se continue a seguir as euforias e medos de cada momento. Reconhecemos todos que esse foi o erro do Natal. Corrigir esse erro não é cometer o erro oposto. Seria ter uma comissão científica e a definição de critérios objetivos para fasear o desconfinamento.
Pelos seus enormes custos e a dificuldade de o prolongar no tempo, o confinamento não é a melhor forma de lidar com a pandemia. É a forma mais radical quando as outras falharam. E serve para preparar outras formas de o fazer. Porque não podemos confinar até a vacina nos garantir imunidade de grupo, temos mesmo de aprender a lidar com o vírus enquanto ele estiver entre nós. Testar e rastrear é a melhor forma, dizem os técnicos. Esse caminho está a ser preparado seriamente?
Não é só pelos efeitos que o confinamento tem na economia que ele não se pode prolongar por muito tempo, sobretudo num país pobre e desigual como o nosso. Não é só pelos efeitos para a saúde pública, com mortes associadas. Não é só pelos efeitos para a saúde mental. Não é só por ele ser pago de forma tremendamente desigual, fazendo dos mais pobres as principais vítimas. Não é só por ter efeitos estruturais nas crianças e jovens que se sentirão nas próximas décadas. É porque quanto mais tempo dura o confinamento mais desordenado e impactante tende a ser o desconfinamento. E “quanto mais tempo estiverem em confinamento, mais vão incumprir de uma forma encapotada”. É como uma mola que se empurra demasiado: quando a soltamos o salto é incontrolável. Sobretudo quando o confinamento leva, por falta de recursos e apoios, a situações sociais e económicas dramáticas. Por isso, espera-se que o governo pondere os riscos de prolongar o confinamento para lá do estritamente necessário. Para isso, precisávamos de saber com algum rigor o que é o necessário.
Num momento em que praticamente todos os indicadores estão abaixo do que foi informalmente definido como meta, estaremos à espera de dia 11 de março para saber quais são as metas oficiais e como se faz o desconfinamento. Compreendo o medo político de falhar. Mas como podemos ter a certeza que todos os valores são ponderados quando temos um Presidente que define metas como se governasse e um governo que adia a definição de metas oficiais para depois de grande parte delas serem atingidas? O improviso não é menos grave quando é cauteloso. Porque, se cada a dia a menos no confinamento pode custar vidas, cada dia a mais também se mede em tragédias tremendas»
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