19.4.21

As raízes eleitorais da corrupção



 

«Ainda com a Operação Marquês “entalada nas nossas gargantas”, chega-nos agora a Operação Triângulo. Esta semana, a presidente da Câmara de Vila Real de Santo António foi detida por suspeita de corrupção. Em causa está a venda de um imóvel a uma empresa por valor abaixo do mercado, com supostas contrapartidas para a autarca e outro funcionário da câmara, lesando assim o erário municipal. Ao ler estas notícias, muitos de nós pensam que o mais provável é que esta senhora tenha o mesmo destino que outros políticos corruptos, ou melhor, alegadamente corrompidos pelo sistema. Assim sendo, é provável que passe algum tempo na prisão, que as provas não sejam conclusivas, que o processo prescreva e que entretanto escreva um livro, volte em apoteose num pedestal de inocência e, como mártir, se recandidate e seja eleita.

Tal cenário é passível de acontecer porque a população, mesmo já informada da existência de corrupção, continua a votar em pessoas que não se coíbem de colocar os seus interesses pessoais à frente dos interesses públicos. Como escreveu, em 2017, Javier Martín, no “El País”, a propósito da eleição de Isaltino Morais, “os munícipes voltam a votar no presidente que os rouba”.

Tradicionalmente, a ignorância e a falta de informação são vistas como a razão fundamental para que os eleitores votem em políticos corruptos. A população, em geral, desconhece o nível de corrupção, não consegue corretamente avaliar os seus efeitos e não acredita que esta seja o problema fundamental que impeça o real crescimento e desenvolvimento do país. Mais, os eleitores podem não ser capazes de inferir se determinadas práticas ou políticas são ilícitas, sobretudo quando expressas como do interesse público. Os políticos corruptos tendem a ser convincentes da sua idoneidade, sobretudo dando apoio a programas anticorrupção e também apontando o dedo a outros políticos idóneos, causando confusão à população em geral. Por último, é difícil para os eleitores conceptualizarem um sistema alternativo de governação e administração pública onde a corrupção está praticamente ausente.

O problema da ação coletiva também pode explicar o paradoxo do voto em políticos corruptos. Suponha, por simplificação, que existem dois partidos que do ponto de vista ideológico têm as mesmas propostas, mas que um inclui corrupção e outro não. O melhor resultado é a eleição do partido não corrupto. No entanto, para os apoiantes do partido corrupto existe um risco: o de perderem benefícios do clientelismo se não apoiarem o seu partido e este ganhar. Estes indivíduos têm então um incentivo para apoiar o partido corrupto. Se a maioria dos eleitores se comportar desta forma, é possível que a corrupção ganhe.

Obviamente, não nos teríamos que preocupar tanto com o voto em políticos corruptos se a corrupção fosse combatida na sua origem. Para tal, em Portugal é preciso reformar a justiça penal, que é extremamente lenta, pesada, burocrática e processualista. Tão simples quanto isto, com a cultura judicial portuguesa, os crimes de colarinho branco compensam, simplesmente porque os benefícios superam, em muito, os custos. Para alterar este quadro é preciso, como Nuno Garoupa diz, uma “profunda mudança da cultura jurídica, o que só é possível de ser feito, talvez em uma ou duas gerações, se as faculdades de Direito fizerem uma revolução agora”.

Entretanto, é preciso que a população esteja cada vez mais bem informada e escolha não eleger políticos corruptos. A esse nível, os meios de comunicação podem dar uma ajuda. Por um lado, não darem tanto espaço mediático a estes políticos. Por outro, para além de informarem sobre o quanto determinado político ganhou com alguma atividade ilícita, criando em nós a sensação de que “o mundo é para os espertos”, seria bom salientarem em quanto a população foi lesada com esse crime, causando nos eleitores a desagradável sensação de perda. Por exemplo, se um imóvel da câmara é vendido abaixo do preço de mercado, seria bom informar sobre as eventuais perdas, quebras de receitas fiscais e, se possível, traduzir essas perdas em informação que facilmente chega ao coração das pessoas. Por exemplo, o montante “roubado” traduz-se em “N” bolsas de estudo a menos para estudantes necessitados.

Até que a reforma da justiça penal aconteça e a cultura judicial mude, é preciso compreender melhor as raízes eleitorais da corrupção, saber em que grau os eleitores apoiam políticos corruptos, porque os apoiam, e como é que os eleitores podem ser persuadidos e motivados a penalizar com o seu voto estes políticos. Para tal, é preciso não descurar fatores comportamentais neste combate.»

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