«Quem havia de dizer que o debate sobre as medidas a tomar contra a corrupção se transformaria numa punição retroativa de João Cravinho, por ter tido razão cedo demais com as suas propostas de há 15 anos. Mas é por aí mesmo que vai a conversa. Constança Urbano de Sousa, exministra e vicepresidente da bancada do PS, inaugurou as hostilidades e sentenciou que Cravinho “deve estar com a memória afetada”. A grosseria foi notada, Manuel Alegre chamou-lhe um “insulto” e uma “canalhice”, que seria “imprópria da vida democrática”. Nada que impedisse a presidente do grupo, Ana Catarina Mendes, de vir defender a sua colega, afirmando que Cravinho era “injusto” na crítica à inação do partido, dado que “várias das propostas avançaram” e “nalgumas até se deram passos maiores”, enunciando um fulminante exemplo: “João Cravinho propunha a criação da comissão de prevenção da corrupção e foi criado o conselho de prevenção da corrupção”. É difícil descortinar nesta frase o que é piada e o que é argumento.
Apesar de avisado pela polémica que este ajuste de contas estava a suscitar, o atual primeiro-ministro, que ocupava nada menos do que a pasta da administração interna quando João Cravinho apresentou as suas propostas, não resistiu a deixar uma referência ao caso na sua entrevista do fim de semana no DN/TSF: “Nos dez anos em que estive nesse Governo não me recordo que isso tenha acontecido (terem sido bloqueadas as iniciativas de Cravinho contra a corrupção), não sei em concreto a que se refere o eng.ºJoão Cravinho. Lembro-me, aliás, que esse Governo nomeou o eng.ºJoão Cravinho para administrador do Banco Europeu para a Reconstrução e Desenvolvimento. Não sei o que terá acontecido entre o eng. João Cravinho e o eng. José Sócrates”. Deixando de lado qualquer interpretação sobre os subtextos destas alusões, a sua simples evocação é perturbante. No melhor dos casos, e é mesmo o mais ingénuo dos casos, “não se recordar” de como as propostas de Cravinho foram recusadas é surpreendente, atribuir isso a alguma misteriosa questão pessoal entre o deputado e o primeiro-ministro é enviesado e evocar a nomeação para o cargo europeu é uma insinuação. Era tudo escusadíssimo.
O facto é que Cravinho não deixou os seus créditos por mãos alheias quando saiu do parlamento em 2007, afirmando então que “quero deixar bem claro que não sairei do Parlamento sem deixar definido na íntegra o pacote anticorrupção, imprescindível para o desenvolvimento do País”. Não estava enganado e a sua insistência, mesmo tendo esbarrado na parede de uma maioria absoluta, inaugurou uma nova época na discussão das medidas anticorrupção. Podemos verificar agora como tinha razão e que efeito teria tido a aprovação integral das suas propostas, como sobre a contagem do prazo de prescrição nos casos de corrupção ou a criminalização do enriquecimento injustificado.
Que o seu partido tenha recusado essas propostas, seja porque para alguns não havia solução para a relevante questão da não-inversão do ónus da prova, seja porque para outros predominava o menosprezo pelas obrigações de transparência e responsabilização no exercício de cargos públicos, é um facto indiscutível. Que o PS reescreva o seu passado e defenda a sua coerência também faz parte da lógica política. Mas agora o país vive abalado por um caso judicial, ainda longe de conclusão, em que um ex-primeiro ministro é acusado de corrupção e isso marca a nossa vida coletiva. Alegar que é indiferente que tenha sido a maioria absoluta dirigida por esse governante que tenha recusado as propostas de Cravinho é uma aleivosia. E se, no fim de tudo isto, as mais poderosas figuras de proa do PS, o primeiro-ministro, a presidente e a vicepresidente da bancada parlamentar, se entretêm a atirar pedras contra o mais destacado dos socialistas que apresentou a mais sensata das propostas, era bom que entendessem que o arremesso só se vira contra o seu governo. A luta contra a corrupção merece entendimentos sérios e não vinganças partidárias, uma boa razão para ouvir as propostas que João Cravinho apresentou há 15 anos e que continua a defender agora.»
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3 comments:
Que o Bloco veja bem com quem formou a geringonça.
A falta de honestidade nota-se ao longe em qualquer político, mas neste caso é super-descaramento.
Costa? livra!
"Costa? livra!"
Pois! Salazar é que era, não é assim?
Talvez Seguro é que seria, não é assim?
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