«Fará um mês daqui a dois dias. Um mês sobre a tarde de 18 de Junho em que um trabalhador que efectuava obras de manutenção na A6 foi atropelado pelo carro que transportava o ministro da Administração Interna, Eduardo Cabrita, perdendo a vida.
A realidade sobre o que sucedeu na auto-estrada da Brisa que liga Évora a Lisboa continua enrolada em versões contraditórias e "protegida" pelo segredo de justiça. O Ministério Público abriu um inquérito para apurar as circunstâncias da morte. A GNR investiga. O Instituto Nacional de Emergência Médica abriu um inquérito interno sobre as circunstâncias em que foi prestado o socorro no acidente. O que não se sabe sobre o que aconteceu nesse acidente fatal diz muito sobre a peculiaridade do segredo das altas figuras de Estado. É evidente que, nestes casos, a sociedade da velocidade de informação não se compatibiliza com os excessos de velocidade na estrada.
As regras são claras. Membros do Governo só podem circular em excesso de velocidade em "serviço urgente de interesse público". A violação da lei só pode ocorrer por agentes das forças de segurança em serviço, por condutores de veículos em missão urgente de prestação de socorro e por condutores de veículos em missão de serviço urgente de interesse público. Vamos então à caricatura. O que poderia bater-se bem, em termos de ironia contemporânea, com o ministro da Administração Interna hipoteticamente em excesso de velocidade na A6? No asfalto, a ficção não precisa de argumentistas: o ministro do Ambiente, João Pedro Matos Fernandes, a 200 km/h na A2 e a 160 km/h numa estrada nacional. A realidade basta-nos. Perante as agendas vertiginosas e os horários impossíveis a cumprir, a velocidade com que as viaturas oficiais circulam nas nossas estradas são um exercício de memória. Cavaco Silva enquanto primeiro-ministro a 260 km/h, Manuela Ferreira Leite a 160, Carlos Carvalhas a 200, David Justino a 180. Há mais de 30 anos e com outras estradas, os responsáveis políticos sempre puseram travão ao exemplo.
É desta forma que os avisos dos CTT que nos são deixados nas caixas de correio, pelo Ministério da Administração Interna, onde se anunciam multas por excesso de velocidade, ganham uma nova leitura e um grau de sarcasmo acrescido. Perante os exemplos dos responsáveis políticos, uma acção colectiva contra o Estado português não seria um acidente. É este o Estado da arte e o fim da caricatura. Verdadeiramente ofensivo para a memória do trabalhador que perdeu a vida na A6 é não ter havido um contacto pessoal do ministro com a família (apenas um contacto da assessora do ministro, não confirmado) nem sequer a (prometida) agilização da pensão de sobrevivência ou de uns cêntimos do Estado. Como no caso do ucraniano Ihor Homeniuk - morto às mãos do SEF, sem uma palavra do ministro à família - que esperou 9 meses por uma indemnização do Estado português, prestar condolências é um exercício de humanidade em que Eduardo Cabrita nunca peca por excesso de velocidade.»
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