4.8.21

O que é descolonizar e quando acaba?



 

«Dos três “Ds” do 25 de Abril — Democratizar, Desenvolver, Descolonizar — a descolonização foi tida como tendo sido o processo que ficou terminado mais rápido. Como lembrou Pedro Aires Oliveira num texto aqui no PÚBLICO, rapidamente se passou da ideia da “descolonização exemplar” à da “descolonização possível”, mas a ninguém oferecia dúvidas que a descolonização, a bem ou a mal, estivesse feita. O debate sobre a descolonização poderia durar, mas o facto estava consumado com a independência das colónias em 1975 (e o reconhecimento da independência unilateral da Guiné-Bissau) e agora haveria que passar aos Ds da democratização, que se prolongou por mais uns anos, e ao do desenvolvimento, que é um processo prolongado e de final em aberto.

No entanto, a ordem dos fatores está invertida. Aquilo que acabou em 1975 foi a Guerra Colonial, iniciada em 1961, faz agora sessenta anos. Mas há pelo menos dois outros processos relacionados com a descolonização que são de longa duração. Um deles tem a ver com o que Medeiros Ferreira — que inventou a fórmula dos 3Ds — chamava de “o fim do ciclo imperial”. O ciclo imperial português durou mais de quinhentos anos. A sua duração foi de mais de metade da própria história do país enquanto nação independente. Objetivamente, a nossa inserção no mundo — económica, política e por aí afora — foi multicontinental durante todos estes séculos. Passar do “ciclo imperial” para o “ciclo europeu” foi uma basculação feita em poucos anos, mas de consequências de longo prazo. Numa frase, Portugal iniciou aí a procura de um novo lugar no mundo. E isso não se faz de um dia para o outro: implica uma alteração profunda de uma economia de base colonial, com matérias primas extraídas de outros continentes e mercados cativos para os produtos da “metrópole” e que teve de passar para uma pequena economia a precisar de procurar apenas nos limites do seu exíguo território e dos seus recursos humanos uma forma — a única forma — de se posicionar na grande economia aberta europeia e na globalização.

Claramente, essa procura de um novo lugar no mundo ainda não acabou, ou não estaríamos todos a falar dos dinheiros europeus e da necessidade de os usar para finalmente fazer a viragem de modelo de desenvolvimento de que precisamos para o país.

Mas há ainda um segundo aspecto da colonização e da descolonização que deixou marcas, e é o mais importante. É que a colonização e a descolonização se fez sobre pessoas reais, pessoas que viveram e que morreram no processo e muitas vezes por causa dele. Colonizados, colonizadores, combatentes da Guerra Colonial de um lado e de outro, retornados, emigrantes e imigrantes da ex-metrópole e das ex-colónias, os filhos e filhas, gerações que podem seguir até à fonte dos factos do colonialismo e do império as causas para consequências muito concretas nas suas vidas de todos os dias. Claramente aí também precisamos de descolonizar.

Como o democratizar e o desenvolver, o descolonizar é um processo em aberto. Só acaba, no fundo, quando não sentirmos que precisamos de fazer a pergunta.»

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1 comments:

" R y k @ r d o " disse...

Pergunta de difícil resposta..
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Um dia feliz … Cumprimentos.
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Pensamentos e Devaneios Poéticos
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