«Hoje, a base de apoio bolsonarista vai para as ruas. Esperam-se grandes manifestações. É o dia da independência do Brasil e, para o Presidente Jair Bolsonaro, um momento para pôr em causa dois dos três pilares do poder democrático: o judicial e o legislativo. E paira sobre a democracia brasileira a ameaça de um golpe.
Inicialmente, as manifestações tinham como principal argumento a defesa do voto impresso. Desde 1996 que há voto eletrónico e desde 2000 que ele foi generalizado. Foi esse mesmo voto eletrónico que deu a vitória a Bolsonaro. Na altura, o agora Presidente não o considerou suspeito. Perante o seu desempenho na pandemia e as péssimas sondagens, Bolsonaro apostou em alegações infundadas de que o voto eletrónico facilitaria a fraude. E que ao recusar recuar no modo de votação, só porque o Presidente um dia acordou e achou que ele tinha deixado de ser fiável, a maioria dos deputados tornava evidente a vontade de falsear as próximas eleições. Eleições que ele sabe que provavelmente perderá.
Como em tudo, Bolsonaro segue o guião de Trump, que fez do voto por correspondência um fantasma contra a legitimidade de umas eleições que sabia perdidas. Tinha o mesmo objetivo, manter mobilizada uma base de apoio fanatizada, que o defenda investigações judiciais e lhe garanta o domínio sobre o seu espaço político, pela recusa da verdade democrática do voto. No dia em que a Câmara dos Deputados chumbou esta emenda constitucional, foi feita uma parada militar em Brasília, deixando uma mensagem subliminar sobre o futuro da democracia se esta não se vergar à vontade do Presidente.
A isto junta-se a investigação que está a ser feita pelo Supremo Tribunal Federal (STF) às centrais de produção de fake news, que envolvem a Presidência. Os apoiantes de Bolsonaro acreditam que a produção industrial, organizada e financiada de notícias falsas faz parte do exercício da liberdade de expressão e exigem a destituição de vários juízes do STF. Supremo Tribunal de Justiça e Tribunal Federal Eleitoral estão na mira dos que explicitamente defendem uma intervenção militar. O desafio à integridade de órgãos judiciais, com ameaças à segurança de magistrados, já levou alguns bolsonaristas à prisão.
Bala, Boi e Bíblia são os três pilares que sustentam o poder político de Bolsonaro. Defensores de uma linha radical securitária e de acesso generalizado de civis às armas de fogo; produtores agropecuários contra os direitos dos trabalhadores e a defesa do ambiente; e líderes evangélicos ultraconservadores foram determinantes para o golpe contra Dilma Rosseff, uma das poucas políticas brasileiras que não foi submersa em escândalos de corrupção. Foram determinantes para a eleição de Bolsonaro quando a direita tradicional se suicidou no governo de Temer. Agora, tentam destruir os pilares fundamentais da democracia, pondo em causa as funções do poder judicial e a credibilidade das eleições. E assim continuarão, pelo menos até haver uma alternativa ao regresso de Lula da Silva.
Quem acha que a extrema-direita pode ser integrada no sistema democrático tem aqui mais uma lição, como se não bastassem cem anos de História. Nos EUA, a sua passagem pelo poder acabou com a invasão do Capitólio e a democracia norte-americana só resistiu porque mais de dois séculos de vida lhe deram alguma robustez. Robustez que não tem, nem de perto nem de longe, no Brasil. A frágil democracia brasileira vive dias perigosos. Não por uma parte dos brasileiros se manifestar, mas porque a agenda destas manifestações é a do esmagamento dos valores democráticos para a sua perpetuação no poder. As ameaças têm sido cada vez mais explicitas.
A extrema-direita usa a democracia contra a democracia. Usa a liberdade para suprimir a dos outros. Usa a liberdade de expressão para calar pelo medo os que ousem resistir-lhe. Pela sua natureza, não pode governar em democracia. Pode existir, porque a superioridade da democracia é permitir que os seus inimigos se mostrem. Mas deve ser combatida quotidianamente, sem alianças, cedências ou concessões. Porque, chegada ao comando da Nação, tudo fará para destruir a ponte que lhe deu acesso ao poder. É isso que se está a tentar no Brasil. Nisto, é igual em todo o lado.»
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2 comments:
Democraticamente, há sempre a liberdade e o direito de o povão ser burro. E não gostar de ostras ou caviar.
Não esquecer que Hitler também ganhou eleições, arrastava multidões e.... deu no que deu.
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