«A reunião virtual dos líderes mundiais dos dias 9 e 10 de dezembro para a Cimeira pela Democracia do presidente dos EUA, Joe Biden, deveria ter sido colocada uma questão simples: O que é que podemos fazer para ajudar os mais corajosos defensores da democracia, como os manifestantes que estão a arriscar as suas vidas no Sudão?
Durante meses, centenas de milhares de pessoas inundaram as ruas do Sudão, exigindo um governo responsável e o fim do regime militar, apesar de as forças de segurança sudanesas os terem recebido com balas. Dezenas de manifestantes morreram.
A sua coragem não é única. Da Bielorrússia à Bolívia, e até mesmo no Reino Unido e nos Estados Unidos, há líderes e organizações da sociedade civil que estão a liderar movimentos corajosos para resistir à opressão estrutural, ao autoritarismo e à injustiça.
Infelizmente, o seu trabalho não poderia ser mais urgente. As ameaças aos líderes da sociedade civil e às instituições democráticas estão a aumentar em todo o mundo. O nacionalismo, a desigualdade e a polarização política estão em ascensão por todo o mundo, e as restrições relacionadas com a pandemia nas reuniões públicas e a tecnologia de vigilância cada vez mais avançada fortaleceram os regimes autoritários.
Na Colômbia, 65 ativistas ambientais foram mortos em 2020. A proibição do uso do Twitter em território nacional pelo governo nigeriano, imposta em junho deste ano, continua em vigor. E em agosto, o governo do Uganda suspendeu as operações de 54 organizações de direitos humanos.
Estas medidas repressivas, tanto nas democracias como nos Estados autoritários, têm consequências duradouras. Ao restringirem as liberdades civis - inclusive a liberdade de imprensa, de reunião e de expressão - e ao atacarem as organizações que as defendem, os Estados estão a deixar os nossos direitos e instituições indefesos contra ataques futuros.
É por isso que os nossos beneficiários e parceiros da sociedade civil estão a fazer soar o alarme. Organizações de várias causas e de diversos países estão a ser alvo de estratégias semelhantes, inclusive acusações de "interferência estrangeira" sempre que trabalham com organizações internacionais estabelecidas e instituições filantrópicas como as que lideramos.
Estes ataques não podem continuar. Eles ameaçam não apenas as vidas e os meios de subsistência de milhares de organizadores e ativistas da sociedade civil em todo o mundo, mas também a própria democracia. Enquanto os regimes autoritários enfraquecem estes grupos essenciais e interrompem o seu trabalho imprescindível, os seus cínicos representantes apelidam a democracia de "idealista" e "ingénua".
Nós rejeitamos fundamentalmente esta perspetiva. Aderimos ao poder da democracia precisamente porque requer manutenção, proteção e participação constantes. A paz e a estabilidade que promove são conquistadas por um contrato social inclusivo, não por uma mão de ferro.
Nesse espírito, a Cimeira para a Democracia de Biden visou apoiar a renovação democrática, a participação cívica e a colaboração multilateral. O encontro representou uma oportunidade importante para os líderes se comprometerem novamente com os direitos fundamentais de reunião, associação, expressão e informação nos seus países, e para promoverem esses direitos no estrangeiro através de uma diplomacia estratégica.
Mas os compromissos verbais por si só vão apenas até certo ponto. Enquanto os Estados se envolvem em conversas virtuais nestes dias, têm de estar preparados para irem além da retórica e assegurarem a importância desses direitos combinando palavras com ações na luta pelo espaço cívico.
No domínio dos direitos humanos, isso significa promover as proteções internacionais e nacionais para a liberdade de expressão e de reunião, garantindo assim o direito de cada indivíduo de expressar a sua dissidência diante do autoritarismo. Em muitos Estados, para garantir a liberdade de expressão será necessário revogar as leis de sedição e terminar a suspensão da Internet. Além disso, os governos devem bloquear a exportação e transferência de equipamentos de vigilância para os regimes repressivos.
Mais urgentemente, os líderes mundiais têm de aumentar substancialmente os investimentos nas organizações da sociedade civil que exercem uma verificação crítica sobre o poder do Estado. E têm de destinar recursos tangíveis aos defensores dos direitos humanos, jornalistas locais, serviços sociais e centros comunitários.
Isso requer não apenas apoiar essas organizações em tempos de crise, quando já estão a batalhar para satisfazer as suas comunidades, mas também investir no seu crescimento a longo prazo, o que é um investimento na sustentação de uma cidadania ativa e preparada para enfrentar futuras emergências. Por exemplo, os líderes democráticos devem ampliar os mecanismos de proteção envolventes que providenciam aos ativistas em risco serviços jurídicos, médicos, psicossociais, de segurança digital e de apoio à relocação, em particular aqueles projetos que operam perto de onde os ataques regionais e nacionais à sociedade civil estejam a ocorrer. Esta é uma das formas mais seguras de os Estados apoiarem aqueles que estão a arriscar as suas vidas para defender a democracia.
Por último, os líderes têm de se unir em torno da causa democrática comum e colaborar estreitamente em parcerias multissetoriais e multilaterais. Nos governos, no setor filantrópico, no setor privado e na sociedade civil, temos a oportunidade de desenvolver o diálogo na cimeira e usar os nossos pontos fortes exclusivos para expandir o espaço cívico. Afinal de contas, o melhor protetor do espaço cívico é haver mais espaço cívico povoado por cidadãos comprometidos e interligados, que tenham recursos, proteções e poder para defenderem os seus próprios direitos e meios de subsistência.
Uma cidadania que se compromete pode ser transformadora. Na Moldávia e na Malásia, por exemplo, organizações da sociedade civil ajudaram, este ano, a derrubar leis repressivas de "estado de emergência", evitando a erosão perigosa das instituições democráticas. E milhões de pessoas marcharam em protestos Black Lives Matter no verão de 2020, formando provavelmente o maior movimento de massas na história dos Estados Unidos.
Independentemente da origem da luta ou da distância que percorram, quando as pessoas se reúnem pacificamente para defender os seus direitos humanos fundamentais, fazem extraordinários progressos rumo à dignidade, equidade e justiça para todos. De Cartum a Kuala Lumpur, vamos proteger e promover esse progresso em palavras e ações, e garantir que continua robusto para a próxima geração.»
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