12.2.22

A China, a Rússia, a paz na Europa e mais além

 


«Estive ontem em contacto com uma fonte chinesa bem informada, residente em Beijing. O tema central da discussão foi a crise à volta da Ucrânia, um assunto sem relevo na imprensa do país. A comunicação social está focada nos Jogos Olímpicos de Inverno, a decorrer de modo exemplar, e no sucesso dos atletas chineses que nasceram nos EUA, mas optaram por competir sob a bandeira da China. O espaço que resta é dedicado a Taiwan e à reunião dos ministros dos Negócios Estrangeiros do Quad (Estados Unidos, Austrália, Índia e Japão), hoje a decorrer em Melbourne, e que é vista como sendo mais uma tentativa dos dois países anglo-saxónicos para criar uma aliança hostil à China. Quanto à Europa, o único assunto que parece preocupar Beijing continua a ser a Lituânia, por causa da abertura nesse país de uma representação comercial com o nome de Taiwan inscrito na fachada.

Durante a minha videoconferência, ficou claro que a China não vê qualquer tipo de vantagem num eventual conflito armado na Europa. Por várias razões.

Primeiro, porque uma confrontação desse tipo entraria rapidamente numa espiral incontrolável. Acabaria por ganhar uma dimensão extraordinária, muito para além das fronteiras ucranianas. Segundo, porque os mercados europeus contribuem de modo significativo para a prosperidade da economia chinesa. É fundamental que continuem a funcionar sem perturbações. A legitimidade de Xi Jinping assenta, em boa parte, num crescimento económico acelerado e constante. Terceiro, porque o conflito perturbaria fortemente a circulação de mercadorias por via-férrea, tendo em conta que os comboios vindos da China atravessam uma parte significativa do território russo, antes de chegarem aos destinos europeus. Quarto, porque a Polónia estaria certamente na linha da frente e seria, por isso, profundamente desestabilizada, numa altura em que os decisores chineses resolveram considerar esse país como uma das placas logísticas mais importantes, a partir da qual as encomendas vindas por via terrestre serão encaminhadas para o resto da Europa. Quinto, porque a Ucrânia é um importante parceiro comercial e agrícola da China - 80% do milho importado pela China provém dos campos ucranianos. Sexto, porque a narrativa oficial de Beijing assenta na promoção da paz internacional, com a China no centro dos esforços para a resolução pacífica dos conflitos e como um dos novos pilares do sistema multilateral.

Também entre nós ficou mais clara a razão que explica a ausência de qualquer referência à Ucrânia no comunicado conjunto que saiu da recente cimeira entre Xi e Putin. O comunicado fala explicitamente da NATO, que é ao fim e ao cabo o álibi estratégico das manobras de Putin, mas ignora a crise ucraniana. Uma crise que contraria, aliás, um dos princípios básicos da política externa chinesa que é o da inviolabilidade das fronteiras nacionais. Os chineses não veem com bons olhos a anexação da Crimeia nem a presença de tropas especiais russas na região ucraniana de Donbass, aí presentes para apoiar os grupos rebeldes. E não querem que se compare essa anexação ao problema de Taiwan, que é apresentado como uma questão interna da China.

A aliança entre Xi Jinping e Vladimir Putin assenta numa visão pragmática, não ideológica, por parte dos chineses. A China importa petróleo, gás e outras matérias-primas russas como também necessita de manter relações de boa vizinhança. A título de exemplo, note-se que a Rússia é o segundo maior fornecedor de petróleo e de carvão da China, e o primeiro, em termos de energia elétrica. Uma parte significativa da Nova Rota da Seda passa por território russo. Por outro lado, Beijing tem plena consciência de que Moscovo nunca voltará a ser a capital de uma superpotência, mas apenas de uma potência de segunda grandeza. A competição a sério é com os Estados Unidos da América. E para ganhar essa competição a China precisa, entre outras coisas, de uma expansão económica contínua, que depende, em larga medida, da prevalência de um clima de paz na Rússia, no resto da Europa e mais além.»

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