8.3.22

A batalha na Rússia


 

«O ditador talvez acreditasse mesmo que era aguardado como um salvador pela maioria da população ucraniana, ansiosa pela chegada da "Mãe Rússia", que a libertaria de uma independência que, como nação que não é (Putin dixit), nunca teria desejado. A lenda expansionista de Putin, contada ao Mundo no discurso que antecedeu a invasão, esboroou-se perante todos em poucas horas. A Ucrânia recusa a condição de Estado-vassalo que Putin conseguiu impor à Bielorrússia, que assim continua dominada por um fantoche de Moscovo, aliás, um dos ditadores com maior longevidade no ativo.

A lenda esboroou-se mas é mais resistente no interior da Rússia, onde a invasão é vendida pela propaganda de Estado não só como a reposição de fronteiras "naturais", mas também como uma operação para travar uma limpeza étnica cometida por nazis na região do Donbass. Essa violência existiu, mas é um pretexto, aliás inaceitável de uma política repugnante e de um crime maior contra o direito internacional e a paz.

Os que na Rússia recusam a história oficial são tratados como traidores, ameaçados por novas leis aprovadas em tempo recorde na Duma para criminalizar a crítica e ameaçados pelos partidos da extrema-direita russa, apoiante do presidente, que defendem a incorporação forçada e o envio para a frente de quem se opuser à guerra.

É neste contexto, no mínimo, adverso que milhares de russos têm erguido a sua voz. Em nome do respeito entre povos que são irmãos e com uma longa história comum, feita de misturas e desgraças, que sempre as aproximou e distinguiu como nações. Os revolucionários russos reconheceram o direito da Ucrânia a decidir o seu destino. Estaline suprimiu esse direito e Putin quer reabilitá-lo.

Dezenas de milhares de russos foram detidos desde o início da invasão, mais de quatro mil só no fim de semana passado. São manifestações multitudinárias, sempre sob assédio policial, que envolvem não só os setores ligados ao preso político Alexey Navalny mas também uma miríade de organizações de esquerda, opostas ao ultraliberalismo autoritário de Putin e ao seu nacionalismo militarista. A supressão de redes sociais e a vigilância obsessiva dos seus contactos não impedem os bravos homens e mulheres de saírem às ruas pela paz - e pela vida dos seus familiares enviados para a frente.

As sanções contra o poder económico da oligarquia russa são essenciais no apoio aos democratas que lutam pelo fim da guerra no interior da Rússia. É esse desgaste do poder de Putin entre os seus fiéis que pode acelerar um recuo do regime e travar a escalada da guerra. Nessa, todos perderiam - os ucranianos que resistem como país ao ocupante e os russos que enfrentam Putin e a sua repressão.»

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