27.3.22

A matemática e as narrativas

 


«As duas notícias conjugaram-se numa soma (esperançosa) de milhões. A Comissão Europeia aprovou o pagamento de 1,16 mil milhões de euros a Portugal, a segunda tranche do PRR, após a avaliação preliminar positiva dos 38 marcos e metas acordados para a primeira. E o ministro das Finanças quis mostrar a casa arrumada antes de abandonar o cargo, com o défice a cair e a redução da dívida pública.

Todos nos lembramos, na fase de braço de ferro que antecedeu o chumbo do Orçamento do Estado e nos discursos dramáticos adotados durante a campanha eleitoral, da narrativa que diabolizou a crise política. Corríamos o risco de perder fundos do PRR, a situação financeira do país iria derrapar, estaríamos a entrar num túnel de onde seria difícil sair.

O período de algum vazio que temos vivido na política interna não teve, afinal, efeito negativo nas contas. Não pôs em causa a execução do PRR, nem impediu um início de ano que, apesar de toda a incerteza da guerra e da crise global, é relativamente tranquilo nos cofres do Estado. Até porque a gestão por duodécimos tem funcionado como um travão natural da despesa, ao mesmo tempo que do lado das receitas houve um crescimento, fruto da recuperação nalguns setores de atividade.

Os riscos são, ainda assim, enormes? Sem dúvida. Mas fica por demais evidente que é inútil e até desonesto invocar bichos-papões económicos quando há instabilidade política. A somar a esta, outra certeza: não há desculpas para que o Governo descure as urgentes respostas sociais e o redirecionamento de verbas para áreas particularmente fragilizadas com as ondas de choque do conflito na Ucrânia.

O que pode haver, isso sim, é argumentos de peso para que Fernando Medina seja obrigado a rever os objetivos extremamente ambiciosos traçados por João Leão. Para este ano, a meta do défice é colocada em 1,9% e a fasquia de redução da dívida pública fica nos 120,8% do PIB. Seriam resultados históricos, mas contas tão otimistas esbarram num cenário de cada vez mais famílias no limiar da pobreza e empresas com a corda na garganta. Será mais importante ter medidas robustas para responder à crise do que voltar à obsessão com o défice.»

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