«O Conselho de Estado tem atualmente 19 membros. Uma parte substancial tem lugar por inerência: o Presidente da República, o presidente da Assembleia da República, o primeiro-ministro, o presidente do Tribunal Constitucional, a provedora de Justiça, os presidentes dos governos regionais e os antigos presidentes da República. Os lugares por inerência são variáveis, porque dependem dos antigos presidentes da República ainda em vida.
Estas nove pessoas nasceram entre 1935 e 1965. O mais novo é o presidente do Governo Regional dos Açores e vai cumprir 57 anos em junho. Sendo estes lugares ocupados por inerência dos cargos mais importantes do Estado, é normal que as pessoas cheguem a eles numa fase adiantada da sua carreira. Para não falar, claro, dos antigos presidentes que são naturalmente pessoas de idade avançada. Longe de mim questionar a sua legitimidade para se sentarem neste Conselho, ou a importância da sua visão.
De entre os nove, seis são juristas. Há depois um economista (Cavaco Silva), um sociólogo (Santos Silva) e um militar (Ramalho Eanes). Ainda podemos achar natural esta preponderância de pessoas que cursaram Direito, tendo em conta que pelo menos a provedora e o presidente do TC são necessariamente juristas. Adiante.
Se a falta de diversidade etária e de especialidade podem ser compreensíveis, há outras que apenas se explicam pelas discriminações históricas existentes no nosso país. Em primeiro lugar, já se sabe, são todos brancos, à exceção do primeiro-ministro. Em segundo lugar, quis o destino e a discriminação histórica das mulheres que, deste grupo atual de nove pessoas – ou personalidades, como se diz por aí –, oito sejam homens. A única mulher é Maria Lúcia Amaral, provedora de Justiça.
Aceitemos, pois, que os lugares por inerência são naturalmente enviesados – seja pela idade, que é um posto, seja pelos vieses históricos. Acontece que o Conselho de Estado tem mais dez membros – o que, na configuração atual, perfaz a maioria. Cinco são escolhidos pelo Presidente da República e outros cinco eleitos pelo Parlamento. Os mandatos destes membros eleitos têm a duração dos mandatos do Presidente e da legislatura. Sendo os lugares por inerência tão presos a grilhões vários, podíamos imaginar que os outros serviam exatamente para assegurar a diversidade do órgão.
Vamos aos cinco lugares nomeados por Marcelo Rebelo de Sousa. São três homens e duas mulheres. Duas mulheres é pouco. Mas assinale-se que Marcelo Rebelo de Sousa foi até agora o Presidente que mais mulheres nomeou para o Conselho de Estado. Se o Parlamento elegesse outras tantas, já seriam cinco em 19, pouco mais de um quarto do total. Pouco, mas menos escabroso. De resto, dos nomeados do Presidente três são juristas, um é médico e uma é escritora (Lídia Jorge). Quanto a idades, o mais novo é Lobo Xavier e tem 62 anos. Todos brancos, claro está.
O que me traz aos cinco membros eleitos pelo Parlamento: surpresa! – cinco homens, dos quais o mais novo é Rui Rio, com 64 anos. Dois juristas (ou melhor: um deles com “frequência da licenciatura de Direito” como habilitação académica), dois economistas, e um operário, Domingos Abrantes, histórico do PCP. Todos brancos, de novo.
O Conselho de Estado tem assim 16 homens e três mulheres. Onze são juristas. A pessoa mais nova tem quase 57 anos (Bolieiro). A idade média é igual à idade mediana: 72 anos. Quanto a diversidade étnica, zero. Todos, pelo menos que se saiba, heterossexuais. Cada uma destas pessoas tem certamente excelentes qualidades para se sentar no Conselho de Estado. Mas há muitas outras igualmente capacitadas que não obedecem a este cânone do homem branco com mais de 70 anos. Onde estão elas?
Eis que há uma luz ao fundo do túnel. Estamos a poucos dias de renovar um quarto do Conselho de Estado. E se o nosso Parlamento aproveitasse para corrigir um pouco deste cinzentismo? Esta semana foram anunciados os membros que serão propostos – e certamente eleitos, dada a composição parlamentar. E não é que em vez de contrariarem a falta de diversidade, estas nomeações a vêm reforçar? Vejamos: o PS nomeou Carlos César, Manuel Alegre e António Sampaio da Nóvoa. César é repetente: tem 65 anos e é o tal que frequentou o curso de Direito. Manuel Alegre tem 85 anos, é jurista e poeta; já diversifica um pouco. Sampaio da Nóvoa tem 67 anos e é especialista em Ciências da Educação e História.
Será de agora que o Conselho de Estado é esta monotonia? Fui à procura de um registo sistemático da composição do órgão, que infelizmente não existe. Pedi ajuda no Twitter e com a generosidade de várias pessoas consegui puxar o fio à meada.
A última composição vigente do tempo de Cavaco Silva está no site da Presidência. O Conselho tinha uma mulher – uma! – que felizmente vale por muitas: Leonor Beleza. Na página da AR, temos todos os membros do Conselho de Estado eleitos pelo Parlamento. A VII legislatura escolheu cinco ilustres portadores de falos. A IX legislatura ofereceu ao Presidente os bons conselhos de cinco homens. A X legislatura elegeu cinco homens. A XI legislatura idem. Na XII legislatura, outra vez. Na legislatura seguinte, cinco homens. XIV legislatura? Cinco homens, pois claro, que isto do Conselho de Estado é coisa de gente séria. Não fui procurar na Internet as datas de nascimento de todas as pessoas, mas o panorama, assim à primeira vista, não era diferente. E quanto a cor da pele, estamos conversados. Que outras mulheres houve, não escolhidas pelo Parlamento? Tivemos Assunção Esteves, por inerência, enquanto foi presidente da AR. Maria de Jesus Serra Lopes, nomeada por Jorge Sampaio, e Manuela Ferreira Leite, por Cavaco Silva.
O Conselho de Estado tem funções de aconselhamento, incluindo em casos de dissolução da Assembleia da República e das assembleias legislativas das regiões autónomas, demissão do Governo, declarações de guerra e paz e outros, sempre que solicitado pelo Presidente da República. Em princípio, tem poder para influenciar a forma como o Presidente interpreta ou analisa certos problemas. Não faço ideia se historicamente teve de facto influência, nem isso me importa muito. É um conjunto de pessoas que se reúne com o Presidente da República. Logo, é percebido pelas pessoas como um órgão de poder.
A representação da diversidade da sociedade em órgãos de poder – mesmo que meramente consultivo – é fundamental pelo menos por duas razões. A primeira é que a diversidade de experiências de vida permite uma perspetiva sobre os problemas que o monóculo do homem branco com mais de 72 anos simplesmente não traz. A segunda é que as pessoas destes lugares de poder servem de faróis do possível às que estão cá em baixo. As mulheres e minorias deste país sabem que não têm lugar à mesa dos grandes. E quanto aos jovens, com tanto cinzentismo por aí, ou envelhecem antes do tempo para entrarem nos círculos ou emigram.
Senhoras deputadas, senhores deputados: os nomes em que votarem agora vão marcar o Conselho de Estado por mais cinco anos. Nem a inerência, nem a Presidência da República têm pior folha de serviço do que o Parlamento: desde 1999, nem uma mulher foi escolhida por São Bento. Pela decência: chumbem os nomes. Lutem por mais diversidade.»
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