20.6.22

O silêncio dos culpados

 

«A viragem do milénio deixou o mundo extasiado perante os efeitos da globalização económica, nos estilos e bem-estar da idade moderna. Escancararam-se as fronteiras para dar vida ao “laissez faire, laissez passer”, somaram-se as trocas e as missões empresariais aos mercados ditos emergentes. As empresas multinacionais, em asfixia concorrencial, corriam para os novos paraísos laborais cheios de gente desnutrida de condições sociais. As terras que ficavam para além da Taprobana tornaram-se o centro da produção industrial e do crescimento económico mundial. (…)

Mas estavam todos enganados. Por detrás do fervor mercantil e dos silêncios interesseiros, renasciam novos despotismos. Entre muitos outros exemplos, a Turquia, a Rússia e a China colocaram no topo do poder homens fortes, determinados a calar todos aqueles que os ousam desafiar. Engrossam-se as vozes, exaltam-se as nações e exibe-se o poder de fogo. As classes médias, destes países aburguesadas, também se acobardam, as bocas fartas perderam a vontade de falar.

Taiwan deixou de contar para o ocidente, tal como Hong Kong ou o Tibete. Pedaços de uma China imperial ávida de terras que só incomoda quando o tabuleiro do poder global se desequilibra. (…)

Na realidade, muitas são as contradições da política externa americana ao longo dos anos, não faltam maus exemplos, mas a perspetiva maniqueísta, das lutas de poder globais é um erro. Uns e outros são pautados pela lógica dos interesses, não há potências benignas e malignas, mas há umas melhores do que outras. Uma nova ordem internacional dominada pelos novos despotismos não será melhor do que a ordem internacional estabelecida. De um mundo mau, pode-se estar à procura de um mundo pior, como aconteceu tantas vezes na história.

Os tempos que correm estão fraturados entre uma parte que tem voz e outra silenciada; uma que pode erguer os punhos e outra onde estes são acorrentados. Esta é uma diferença fundamental, e não podemos ficar em silêncio na defesa dos valores em que acreditamos. Se permitirmos que a escuridão se sobreponha à luz, para além dos governos, também nós seremos todos culpados.»

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