31.7.22

Itália: o fascismo bate à porta?

 


«Na quarta-feira de manhã, Berlusconi "apunhalou pelas costas" Giorgia Meloni, sua colega de coligação. "Meloni assusta e sob sua liderança podemos perder as eleições." O partido de Meloni, Irmãos de Itália (FdI, pós-fascista), é favorito nas sondagens: entre a direita, estas dão-lhe quase 25% das intenções de voto, contra 15% para a Liga de Salvini e 8% para a Força Itália (FI) de Berlusconi. Por isso ela exige ser primeira-ministra se a direita vencer. Ao fim do dia, numa cimeira tripartida, fizeram as pazes e evitaram a ruptura. Concordaram: "Quem designa o chefe do Governo são os italianos", ou seja, os votos. Em compensação. Meloni aprova a entrada de muitos centristas nas listas eleitorais. São boas palavras, porque a seguir voltarão as disputas. Berlusconi disse que quer 20% dos eleitos, o dobro do que as sondagens lhe dão. A comédia é inseparável da política à italiana.

A candidatura de Meloni continua a ser um espantalho, diz um politólogo, e a levantar grandes preocupações na Europa. Trata-se de governar a Itália numa das fases mais difíceis da sua história. O seu pecado é ser herdeira da tradição neofascista. Para uma parte da esquerda representa "o fascismo à porta". Para Berlusconi, ela está excessivamente à direita e com posições ultraconservadoras que afastam o eleitorado moderado. A imprensa internacional reagiu acidamente à hipótese de um Governo "neo-fascista" de Meloni.

Mas também o "Cavaliere" está inseguro. Votou a queda da Draghi em troca da promessa de ser eleito presidente do Senado, de onde foi expulso em 2013, depois da condenação judicial. Seria a segunda figura da República. A "traição" a Draghi e a aliança aos "soberanistas" não foram pacíficas nas suas hostes. Dirigentes históricos estão a abandonar a FI. Há especulações: estará a perder quadros e tem medo "da extinção da Força Itália".

No entanto, apesar da vantagem da direita nas sondagens, o desfecho das eleições de 25 de Setembro ainda não é seguro. O centro-esquerda ainda não definiu tácticas e alianças: todos estão à espera de decisão do Partido Democrático, (PD, de Enrico Letta)." Letta aposta numa nova bipolarização. Não diaboliza Meloni, trata-a como a adversária a abater. Comentou há dias: "Hoje é um dia importante para a história e para a política italiana porque Berlusconi e Salvini decidiram entregar-se definitivamente nas mãos de Meloni. (…) Será um confronto e uma escolha que os italianos deverão fazer entre mim e Meloni."

O "pacto celerado"

Entre Fevereiro de 2021 e a semana passada, a Itália foi um país admirado e que, de facto, liderou a Europa. A queda do governo Draghi é um golpe duríssimo no projecto europeu com repercussões até à Ucrânia. A França de Macron está politicamente enfraquecida, a Alemanha de Scholz parece estável mas com escassa iniciativa. Fora da União, a Grã-Bretanha anda à deriva até encontrar um líder. O Kremlin festeja.

Vladimir Putin explora as dificuldades europeias — do gás ao trigo — apostando em dividir a UE, o que não é uma miragem. O soberanismo de Meloni e Salvini assusta Bruxelas e encanta Moscovo. O jornalista Claudio Lopapa, do La Repubblica, fala num "pacto celerado" desta direita soberano-populista: "O objectivo é afastar o país o mais longe possível da Europa da ‘Next Generation EU’ e do modelo Ursula. E aproximá-la da Hungria de Orbán."

Salvini viu arquivada a sua esperança de chegar à chefia do Governo e exige agora o Ministério do Interior para "tratar da saúde" aos imigrantes: promete começar a campanha eleitoral na simbólica ilha de Lampedusa, no dia 5 de Agosto.

O Partido Popular Europeu (PPE) está decidido a barrar o caminho a Meloni. Usará o argumento do seu passado pós-fascista. Mas é um expediente, escreve no Corriere della Sera o politólogo Massimo Franco. "A verdadeira questão é a atitude perante a Europa e a guerra da Rússia. É a sintonia anti-Bruxelas que o húngaro Viktor Orbán partilha com o FdL, a Liga e a FI."

Da diabolização

Proclamou há dias Matteo Lepore (PD), presidente de Florença: "Temos o fascismo às portas. No nosso país o fascismo nunca morreu e eu não quero voltar a ver os fascistas no governo."

É a habitual estratégia de "diabolização" do adversário. De facto, é sinal de fraqueza. A esquerda italiana tem experiência do fenómeno. Ao berlusconismo contrapôs um antiberlusconismo militante e obsessivo, que acabou por não dar nenhum efeito. O Berlusconi de hoje é a eloquente prova disso.

Bill Emmott, antigo director da Economist e colunista no La Stampa, explica que o problema de Meloni não é o fascismo mas a hesitação em romper os laços com grupos de extrema-direita que deveriam ser dissolvidos. Mas o FdI aprecia os seus votos. O problema real é a "questão económica": o seu populismo económico preocupa Bruxelas e os investidores internacionais. Levando o raciocínio mais longe, o diário Il Foglio garante que o programa económico de Meloni "é um buraco 80 mil milhões de euros".

O La Repubblica tem sido um dos jornais que tende a diabolizar Meloni. Corrige o seu principal analista, Stefano Folli: "É compreensível que do centro-esquerda tenha voado acusações de ‘fascismo’ ao Irmãos de Itália: as contradições e as zonas cinzentas daquele partido são evidentes. Mas seria estranho e uma autoflagelação se toda a campanha do PD se jogasse neste registo."

O fascismo é um velho fantasma que incita à preguiça mental e ajuda a encobrir o que verdadeiramente está em jogo: a reemergência das autocracias, a unidade da Europa e a guerra russa na Ucrânia.»

Jorge Almeida Fernandes
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