29.7.22

O arquiduque Pedro Abrunhosa



 @João Fazenda

«Talvez eu não tenha estudado História com suficiente atenção, mas assim de repente parece-me que os incidentes diplomáticos já tiveram mais dignidade. Uma coisa é um assassínio em Saraievo, perpetrado por um nacionalista sérvio, indispor o Império Austro-Húngaro. Outra, bastante diferente, é o cantor Pedro Abrunhosa fazer considerações num concerto em Águeda e ofender a Federação Russa. Não contesto, evidentemente, a importância de Águeda no panorama geopolítico europeu (e até mundial), nem o profundo dano que as declarações de Abrunhosa, especialmente quando proferidas em Águeda, podem causar no maior país do planeta. Mas confesso que não esperava que o Governo de Vladimir Putin, por intermédio da sua embaixada em Portugal, tomasse dura posição sobre as críticas de um cantor. Não apenas por serem opiniões de um cantor, mas também porque a Federação Russa não costuma reagir a críticas através de comunicados, mas sim através da administração de Polónio-210 nas refeições do crítico. Há uma mudança de métodos que, apesar de tudo, se saúda.

Talvez seja melhor começar por contar o que se passou, até para ilustração dos historiadores que, no futuro, estejam interessados na cronologia do incidente. Primeiro, no decurso de um concerto no festival AgitÁgueda 2022, Pedro Abrunhosa recomendou a Vladimir Putin que se dirigisse a determinado endereço. Não vou revelar sequer o código postal, mas digamos que é uma morada bastante popular, para a qual costumam ser enviados vários estadistas, mas também automobilistas que não fazem o pisca e árbitros de futebol que assinalam penáltis inexistentes. Dias depois, a embaixada da Rússia em Portugal considerou “inaceitáveis” as declarações do cantor, prometeu tirar “as respectivas conclusões” e garantiu que “nenhumas provocações ignóbeis ficarão sem resposta”. Em seguida, o Governo português transmitiu à embaixada russa o “repúdio pelo tom e conteúdo” do seu comunicado. Creio que, no tempo em que Portugal e Rússia viviam, respectivamente, sob um regime fascista e comunista, as relações entre os dois países nunca foram tão tensas como agora.

O ponto positivo desta polémica é, parece-me, o merecido protagonismo de Águeda. No entanto, e mais uma vez, o esforço de descentralização é feito por entidades estrangeiras. Em 2022 foi o maior país do mundo a colocar Águeda no centro do debate internacional; em 1917 foi a mãe de Nosso Senhor Jesus Cristo a decidir pronunciar-se acerca do destino da União Soviética em pleno concelho de Ourém. Devíamos aprender com estes exemplos.»

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