23.7.22

Urge refletir sobre as nossas fragilidades

 


«A 5 de fevereiro, estávamos numa outra era. Para muitos, era o tempo da inocência e do otimismo, quando ainda acreditávamos quase sem reservas nas vantagens de um mundo interdependente, com projetos e interesses partilhados. Entretanto, fomos despertados para a realidade que um mundo mais globalizado e interconectado não é só por isso um mundo mais seguro. Tornou-se claro, com a brutal agressão russa contra a Ucrânia, que as interdependências tanto podem gerar riqueza e bem-estar como podem causar fragilidades. Compreendeu-se que a internacionalização das economias e das relações políticas deve ser tratada com muita prudência. Já havíamos começado a perceber isso durante os primeiros tempos da luta contra a COVID-19. Mas, na altura, o foco estava fundamentalmente associado a questões de saúde pública. Agora, o entendimento é bem mais completo. E levanta novas preocupações. Não deve levar, todavia, à conclusão de que o multilateralismo está condenado à falência. Antes pelo contrário: é altura de aprofundar a reflexão sobre a atualização do sistema multilateral.

Numa entrevista ao Financial Times, nesse dia de fevereiro, a astronauta japonesa Naoko Yamazaki, disse que o nosso planeta, visto do espaço, surpreende pela sua beleza, mas também pela sua fragilidade. Yamazaki é uma personalidade notável, no cosmo e em terra, nomeadamente pela sua grande dedicação às questões ambientais, numa perspectiva de cooperação internacional. Quando intervém, fá-lo com distinção, bom senso e moderação, que são três características que muito aprecio num líder. Tendo presente a sua militância contra o aquecimento global, penso que a fragilidade a que se referia teria muito que ver com o impacto das alterações climáticas.

Trata-se de uma questão fundamental. Em si mesmo e por nos lembrar que o futuro deve ser pensado em termos das fragilidades existentes e potenciais. A noção de fragilidade deve estar, a partir de agora, no centro das análises políticas.

Helen Clark, a antiga primeira-ministra da Nova Zelândia, chegou à chefia do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD) em 2009 e introduziu o conceito de resiliência na narrativa programática da organização, na altura uma agência de elite na complexa constelação que é o sistema das Nações Unidas. Do PNUD, a expressão passou a ser menção corrente nos discursos internacionais. Quem não dissesse "resiliência", ao discursar, era visto como estando fora do tempo presente. Muitos nem sabiam bem o que significaria um tal conceito, associando-o vagamente à capacidade de superação de situações catastróficas.

Resiliência trata das situações depois do desastre ter acontecido ou quando os desafios se tornam maiores que a nossa espetável capacidade para os resolver. Não chega. É velha estória das portas trancadas depois da casa assaltada. Na verdade, Vladimir Putin e outros vieram agora lembrar-nos que o fundamental é entender quais são as nossas fragilidades existenciais, ao nível nacional e no contexto da região política em que nos inserimos. É isso que a Alemanha e o resto da UE estão a aprender, quando refletem sobre a dependência em relação à Rússia. E, nós, aqui em Portugal, também deveríamos iniciar um debate público e honesto sobre as nossas fragilidades, que são certamente ainda maiores, embora diferentes, das enfrentadas pela Alemanha e outros. Esse é o tipo de discussão que deveria estar na lista das prioridades, após o período de férias. Não tenhamos ilusões, porém. No nosso caso, como em vários outros, as maiores fragilidades estão ligadas à nossa relutância em olhar para além do fascínio da espuma das ondas e à qualidade das lideranças políticas, que tudo farão para que tal não seja discutido com seriedade.

De um modo mais geral, o tema das fragilidades levanta a questão das alianças e do que se pode realisticamente esperar dos aliados. Essa interrogação diz respeito às áreas essenciais da soberania nacional e europeia: a alimentação e a energia, a força da moeda comum, o controlo das tecnologias de ponta, a segurança interna e a defesa. É mais que tempo de responder a estas questões e de deixar de olhar para o futuro da UE como um mero aliado menor dos EUA.»

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