10.9.22

A rainha imaginária

 


«Em todos os lamentos pela morte da rainha Isabel II que li — e nunca li lamentos tão sentidos por uma pessoa que viveu tantos anos — não vi nem uma vez referido o sentimento da pena.

Mas não faz pena uma mulher que perdeu uma vida inteira a agradar aos outros? Não faz pena uma mulher que nasceu com tantas maneiras de passar agradavelmente a vida — com amor, terras, família, tempo, dinheiro e sentido de humor — ter passado tanto tempo em cerimónias públicas, a aturar pessoas das quais qualquer pessoa fugiria se pudesse?

Não faz pena uma mulher tão independente e directa, tão isenta de vaidade ou pretensões, ter passado tantos anos a fingir que estava contente por se encontrar com uma série interminável de figurões, todos desejosos de conhecer a rainha?

Quantos sorrisos terá sido forçada a sorrir ao longo de sete décadas inteiras de serviço público?

Não faz pena pensar nos anos que perdeu uma pessoa que chegou aos 96 anos? Somando todas as horas em que foi livre para fazer aquilo que queria — nem que fosse nada — quantos anos viveu realmente a rainha? Dez? Quinze? Vinte que fosse?

É a facilidade com que se aceita este sacrifício dela que me choca, sobretudo agora que ela morreu. É a facilidade com que as pessoas se consolam: “ela, se calhar, gostava daquelas chachadas todas...”

Não, não gostava. Mas não mostrava. Mantinha brilhantemente a ilusão. Cultivava o afastamento e a distância. E assim conseguiu convencer cada súbdito que só ele ou ela é que a conheciam. Assim toda a gente, nova e velha, de esquerda ou direita, escocesa ou inglesa, podia projectar nela as fantasias de Estado que quisesse.

Nunca dizendo o que sentia ou pensava, permitiu que toda a gente adivinhasse. Essa magnífica contenção dela era uma forma profunda de generosidade e de entrega.

E é o contrário da atitude moderna, personificada pelo filho que agora é rei. Toda a gente sabe o que ele pensa. E assim ninguém fica com liberdade para imaginar.»

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