30.10.22

Mulheres, vida, liberdade

 


«Nika Shakarami, Sarina Esmail¬zadeh, Ashra Panahi. Jovens iranianas de 16 anos. Corajosas. Mártires. Espancadas até à morte pelas forças de segurança durante os protestos que eclodiram no Irão na sequência da morte de Mahsa Amini, em setembro, três dias depois de ter sido detida pela polícia dos costumes em Teerão por usar incorretamente o hijab.

Jovens, quase ainda crianças, só pretendiam ter uma vida normal. Ousaram lutar pelo elementar direito de serem tratadas como cidadãs plenas e iguais, sem imposições desumanas e intoleráveis limitações à sua liberdade apenas por serem mulheres. Tornaram-se símbolos da luta contra o regime teocrático dos ayatollahs, luta que estoicamente se mantém há mais de um mês nas escolas, nas faculdades, nas ruas das cidades iranianas.

Mais de 200 pessoas já morreram, entre as quais pelo menos 23 crianças, e mais de mil pessoas foram detidas desde que começaram os protestos. Mulheres de todas as idades tiram os véus e cortam o cabelo em sinal de protesto, na rua, em locais públicos e nas redes sociais. Exemplos inspiradores de coragem, altruísmo, força moral e firmeza de caráter.

No Afeganistão, os talibãs dizimaram os direitos das mulheres desde que, em agosto de 2021, retomaram o controlo do país — o mundo viu esse momento com emoção, mas depressa se esqueceu das mulheres afegãs. Mulheres privadas do direito à educação, ao trabalho, à liberdade, sujeitas a violências indizíveis, a detenções, tortura e morte, como reporta o “Relatório” da Amnistia Internacional publicado em julho 2022.

Nestes, como noutros países, no Médio Oriente como em África, mas também no Paquistão, na Índia, no Bangladesh, as mulheres são discriminadas, impedidas de estudar e de trabalhar, privadas de liberdade, forçadas a casar em meninas, a engravidar e a abortar, humilhadas, assediadas, vendidas, trocadas, abusadas sexualmente, violadas, lapidadas, torturadas, mortas.

Também em países ocidentais, como a Polónia, as mulheres são condenadas à morte quando lhes é negado um aborto, mesmo em caso de perigo para a sua própria vida, como aconteceu em janeiro deste ano a Agnieszka T, de 37 anos, a quem foi negado um aborto depois da morte de um dos fetos numa gravidez gemelar.

E o que fazemos? Indignamo-nos, solidarizamo-nos, manifestamo-nos, mimetizamos gestos em sinal de apoio (como a eurodeputada sueca que cortou o cabelo quando discursava no Parlamento Europeu). A União Europeia aprovou algumas sanções a individualidades e organizações do Irão. É pouco. Muito pouco.

É preciso impor sanções diplomáticas, económicas, comerciais e desportivas aos Estados que violam frontal e sistematicamente direitos humanos, boicotar o acesso dos seus líderes e grupos económicos a centros de decisão política e de comércio internacional e apoiar as organizações que ajudam as vítimas, fazendo chegar ajuda humanitária ao terreno. Gostaria de ver Portugal erguer mais a sua voz nesse sentido.

É preciso cumprir e fazer cumprir a Declaração Universal dos Direitos Humanos e tirar a ONU da paralisia em que se encontra, nesta como noutras matérias. A comunidade internacional não pode continuar a tratar a violação sistemática dos direitos das mulheres como um assunto interno dos Estados.

E, já agora: boicotar o Mundial do Catar. Pelos direitos das mulheres, dos homossexuais, dos trabalhadores forçados reduzidos à escravatura… Mas isso é assunto para um próximo artigo.»

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