28.10.22

Ventura, conte comigo

 


«Longe vão os tempos em que políticos e jornalistas tinham dúvidas existenciais sobre se deviam falar de André Ventura ou ignorá-lo, dar-lhe voz ou censurá-lo. Na altura, o Chega ainda não tinha lugar na sala, mas desde que 12 deputados ganharam pleno direito para se sentarem no Parlamento, a coisa mudou. E mudou de tal forma que não só vimos o líder do PSD a mandar os deputados votarem para o Chega ter um vice-presidente da Assembleia da República (que Montenegro já não faz contas de somar sem pôr o André na calculadora é óbvio, mas não havia necessidade), como vemos agora o primeiro-ministro socialista a usar o partido de Ventura como amuleto político.

“Querem competir com o Chega? Têm que crescer muito, ó meninos!” é uma frase que ficará na testa do absolutíssimo consulado de António Costa. Foi dita pelo próprio no debate do Orçamento do Estado, numa violenta sessão de soco contra o Iniciativa Liberal (oito deputados, divididos e sem líder) e esta ira só pode ter uma explicação: medo de que a nova conjuntura austeritária favoreça fugas eleitorais para a direita. As duas grandes obsessões táticas de Costa não são a dívida nem as contas certas, cardápio a que se rendeu sem pestanejar. São Pedro Passos Coelho e o medo de ver crescer uma alternativa ao PS, que a conjuntura de guerra, a perceção de que a página da austeridade que os socialistas iam virar afinal não virou, e o tempo, esse grande escultor, inevitavelmente ajudarão a encorpar.

Não é normal um primeiro-ministro tão folgado passar uma hora de debate a olhar oito anos para trás, a malhar no passismo, na troika e nos diabos do costume. Mas António Costa sabe que quando o calor aperta a sua agenda ideológica não é assim tão diferente e entre diminuir a dívida ou aproveitar a suspensão das regras do euro para subir salários e pensões a par com a inflação, ele não hesita. Cumpre o que Bruxelas lhe pede. O seu tom de ódio contra o Bloco de Esquerda faz parte do filme — o socialista que montou a ‘geringonça’ para sobreviver sente a canga da sua própria agenda austeritária, que diz ser diferente porque esta “é importada” (como se a da troika não tivesse sido). E precisa, sobretudo, de se convencer a si próprio de que a sua “troika light” será perdoada.

Mas pode não ser. A pobreza e o desalento são grandes, o Orçamento parece amigo, mas quando a esmola é grande o pobre desconfia. A concertação social ajuda, mas o inverno ainda nem começou. Os juros não param de subir. E António Costa sabe que a súbita crise de liderança que estalou no novo partido mais sexy à direita — a Iniciativa Liberal — pode ser boa para o PSD, ou mesmo para o Chega ou o CDS. E então, o que é que é preciso fazer? O Costa prático não falha — é preciso atrapalhar a construção de uma alternativa ao PS. E para isso dá jeito desacreditar a IL e puxar pelo Chega, que, se crescer, complica a vida ao PSD. A frase enviada pelo primeiro-ministro (desculpem, pelo secretário-geral do PS) para o Brasil — “Lula, conte comigo” — merece ser trabalhada. Tomem lá um post de Costa para Ventura.»

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1 comments:

José Mota disse...

Angela Silva? WTF? Já citam esta conspiradora das traduções do MRS?