13.11.22

Direitos e deveres dos políticos

 


«O espaço público tem sido dominado por notícias sobre incompatibilidades, investigações e suspeitas que recaem sobre políticos. No Governo, no Parlamento, nas autarquias locais. Não se trata de um assunto novo. Pelo contrário, os últimos anos têm sido pródigos neste tipo de agenda mais ou menos sensacio¬nalista, que é terreno fértil para fazer germinar o populismo e que afasta a atenção dos assuntos que verdadeiramente interessam ao futuro do país e que devem ser objeto de um debate coletivo e de uma análise séria e rigorosa.

Mas esta é, simultaneamente, uma matéria que se encontra no âmago do Estado de Direito democrático, não só porque o escrutínio e a credibilidade da classe política são essenciais à democracia, mas também porque aos políticos têm de ser garantidos os mesmos direitos que aos restantes cidadãos.

Os políticos têm os mesmos direitos que os outros cidadãos, mas têm mais deveres. Porque o povo os elegeu democraticamente para os representar em cargos em que podem influenciar ou até determinar o nosso futuro comum, porque utilizam recursos públicos e porque prosseguem fins de interesse público que nos dizem respeito a todos. Em suma, porque neles depositamos a nossa confiança.

Esses deveres inerentes aos cargos políticos resultam da Constituição e da lei, através da consagração de regras sobre incompatibilidades, impedimentos e deveres de conduta, além de tipos penais específicos. Do escrupuloso cumprimento destas regras depende o Estado de Direito democrático.

Mas a integridade do Estado de Direito depende também do respeito pelos direitos dos políticos enquanto cidadãos: presunção de inocência, direito de defesa, direito ao bom nome e à reputação, à imagem, à reserva da intimidade da vida privada e familiar, à proteção contra qualquer forma de discriminação ou perseguição.

A garantia destes direitos não impede o escrutínio e a transparência a que os políticos, atendendo à posição que ocupam, estão e devem estar sujeitos. Impede sim o populismo e a demagogia.

Sempre defendi que os titulares de cargos públicos não podem ser condenados sumariamente a uma “morte política” por haver uma suspeita ou uma investigação em curso, independentemente da constituição ou não como arguido — que, aliás, no nosso ordenamento jurídico é sobretudo uma forma de conferir garantias de defesa a quem é investigado. Além disso, a constituição como arguido pode até resultar de eventos da vida privada que nada têm a ver com o exercício das funções públicas.

Existe, isso sim, uma dimensão de responsabilidade política (e não civil ou criminal) que recai sobre os titulares de cargos políticos e que impõe, na minha opinião, três obrigações principais quando os mesmos são objeto de investigação ou de suspeita: que sejam dadas explicações públicas claras, transparentes e compreensíveis por todos; que a situação não impeça ou prejudique o exercício das funções públicas que lhes estão confiadas; e que haja coerência no tratamento dos casos, tendo em conta as respetivas diferenças.

Da verificação destas três condições depende a credibilidade e a confiança na classe política. Exigir o cumprimento destas obrigações, sem acusações infundadas ou demagógicas instrumentalizadas a agendas populistas e extremistas, é contribuir para o reforço do Estado de Direito democrático.»

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