«Um filho de Hebe de Bonafini foi sequestrado pelos militares argentinos em fevereiro de 1977, pouco depois de se ter instaurado a ditadura. Em abril, ela e mais 13 mães de desaparecidos juntaram-se na Praça de Maio, no centro de Buenos Aires e em frente ao palácio presidencial, para exigir a devolução dos seus filhos. Poucos meses depois, em dezembro, outro dos três filhos de Hebe foi sequestrado; no ano seguinte, seria a sua nora. Nunca mais se soube deles. E todas as semanas, na quinta-feira, ela lá estavam, de lenço branco, a chamar pelos seus filhos, como as outras mães. Foram presas e continuaram. Algumas foram mortas e as outras continuaram. Ninguém falava sob a ditadura e elas lá estavam. Houve trinta mil mortos e elas não se calaram.
Encontrei-a em 1982, com algumas dessas mães, quando por lá andei a fazer trabalho de solidariedade contra a ditadura. Nesses dias, os jornais obedientes referiam-se-lhes como “as loucas da Praça de Maio” - os militares não conseguiam impedir a sua presença, preferiram tentar ignorá-las. Mas nada podiam contra a determinação daquelas mães: em dezembro desse 1982, organizaram uma marcha, milhares de pessoas juntaram-se-lhes, era o princípio do fim da ditadura, no ano seguinte cairia como um castelo de cartas. E há que pensar na razão mais profunda do coração daquelas mães: se se dizia que era loucura ir com um lenço branco para a rua quando toda a gente fugia ou desviava os olhos, quantos lhes terão dito que terçavam contra o impossível, elas tiveram uma paixão que só a razão sabe definir. Lutaram pela sua gente. Nenhuma ditadura as podia vencer.
Hebe de Bonafini morreu esta semana, aos 93 anos.»
Francisco Louçã no Facebook
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