24.11.22

Num país que precisa dos imigrantes



 

«São duas notícias que mostram duas faces do mesmo país: o país que precisa de imigrantes; e o país onde alguns deles encontram condições miseráveis para trabalhar.

A primeira notícia surge da apresentação pública, nesta quarta-feira, dos resultados definitivos dos Censos 2021. Perdemos 2,1% dos habitantes, redução que só tem paralelo nos anos da emigração da década de 1960. Podia ter sido pior, não fosse o assinalado aumento dos estrangeiros — 37% numa década. Hoje, por cada 100 pessoas que potencialmente saem do mercado de trabalho, apenas entram 76. A desproporção entre adultos em idade activa e idosos é cada vez maior. A população estrangeira, de perfil mais jovem do que a portuguesa, ajuda de algum modo a atenuar este cenário problemático.

Há, diz o Instituto Nacional de Estatística (INE), 524 mil estrangeiros em Portugal, 5,2% da população. Brasileiros à cabeça, depois angolanos e cabo-verdianos, mas também, cada vez mais, imigrantes do Nepal e do Bangladesh e outros países asiáticos. Percebemos a sua relevância todos os dias. Encontramos estrangeiros a desempenhar as mais variadas profissões, nos mais variados serviços.

Mas ao mesmo tempo que em Lisboa o INE esmiuçava números e tendências como estas, no Alentejo assistia-se a uma das maiores operações da PJ dos últimos anos. Objectivo: desmantelar uma rede criminosa, de estrangeiros e portugueses, suspeita de colocar imigrantes a trabalhar em campos agrícolas. Alguns a ganhar dez euros por semana.

As alegadas vítimas são trabalhadores nepaleses, timorenses, ucranianos, explorados, privados de documentos, obrigados a mendigar, amontoados em casas insalubres. “Toda a gente sabe” (é sempre o que se ouve nestes casos) que existe exploração grave de imigrantes nos campos do Baixo Alentejo. No auge da pandemia, as condições em que muitos viviam em Odemira estiveram debaixo dos holofotes. Pediu-se mais fiscalização, um plano de alojamento, mais gente a controlar as condições de trabalho. A julgar pelo que dizem hoje as ONG os problemas mantêm-se.

Sem a mão-de-obra estrangeira o país não sobreviveria, a começar pelo turismo, diz um sociólogo nesta edição. Seguramente não sobreviveriam outros sectores, caso de muitas explorações agrícolas do Sul do Alentejo – o que torna ainda mais chocante que “toda a gente saiba”, incluindo os proprietários que “subcontratam” estes trabalhadores a quem os explora, e conviva com isso.

A grande operação policial desta quarta-feira é uma boa notícia, o culminar de muitas denúncias de quem não se calou. O que ela revela envergonha-nos. Outra vez.»

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