19.1.23

A desigualdade que augura uma catástrofe

 


«A Oxfam, uma organização não-governamental, escolheu o Fórum de Davos para apresentar mais um retrato devastador sobre o estado da desigualdade no mundo e os custos dessa devastação para as nações, as democracias e a humanidade em geral. Faz sentido levar esse retrato à cimeira onde os mais ricos do mundo se juntam. Como faria sentido expor esses dramas numa cimeira dos Estados mais ricos. O problema da desigualdade é uma ameaça que quer a democracia quer o capitalismo têm de vencer.

Há muito que este combate deixou de ser um programa da esquerda anticapitalista ou da direita nacionalista. A imprensa internacional que defende sem tibiezas a globalização ou a liberdade económica do capitalismo há muito que encaram a acumulação de riqueza numa franja cada vez mais reduzida de pessoas um perigo para o sistema. Há dois anos, um grupo de 83 multimilionários dos Estados Unidos juntou-se para assinar uma declaração em que pediam para pagar mais impostos.

A revelação do relatório da Oxfam em Davos pretende de alguma forma retomar a iniciativa em favor de um modelo de sociedade e de economia mais justo. Depois da pandemia e agora com a guerra, a desigualdade perdeu protagonismo no debate público. Ao mesmo tempo, os seus efeitos acentuavam-se. Os 1% mais ricos ficaram com dois terços dos 42 triliões (milhões de milhões) de dólares de riqueza criada depois de 2020. A parte do rendimento dos 10% dos mais pobres reduz-se e a margem da riqueza associada aos Estados continua a cair.

Mesmo pretendendo que o modelo de distribuição da riqueza mundial regresse aos valores de 2012 através de um mecanismo de tributação das grandes fortunas, a receita da Oxfam está longe de ser um ataque ao capitalismo. Pelo contrário, a sua iniciativa pretende salvá-lo das suas próprias contradições. É impossível acreditar numa sociedade livre e num regime democrático onde as funções públicas (educação, saúde, justiça) se degradam por falta de meios. Onde há cada vez mais pobres.

A desigualdade tornou-se o maior desafio dos nossos tempos. O problema não se coloca da mesma forma em todos os países. Mas exige uma solução global. A livre iniciativa, a democracia, a acumulação capitalista não sobrevivem num modelo em que, de acordo com o Banco Mundial, 1% da população detém 38% da riqueza e 50% sobrevivem com 2%. O ressentimento crescente e a infelicidade que fomentam os extremos políticos alimentam-se desta impossibilidade. Travá-la é fundamental para salvar a democracia — e o capitalismo.»

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